As relações perigosas de Bolsonaro

By | 19/08/2023 5:44 am
Imagem ex-librisO depoimento prestado por Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, à CPMI do 8 de Janeiro deve ser recebido com muita cautela, tanto pela sociedade em geral como pelas autoridades – políticas, policiais e judiciárias – incumbidas de investigar a tentativa de golpe de Estado ocorrida no início do ano. As razões para o cuidado são elementares. Em primeiro lugar, Delgatti muito disse à CPMI para implicar o ex-presidente Jair Bolsonaro como líder de uma trama golpista, mas, a rigor, não provou suas alegações mais graves. Além disso, o depoente é um criminoso condenado que está preso, de modo que não pode ser descartada a possibilidade de que suas gravíssimas acusações façam parte de uma estratégia para obtenção de algum tipo de alívio penal. Tudo precisa ser muito bem apurado.

Dito isso, um fato restou incontestável a partir do depoimento do tal “Vermelho” aos parlamentares. Bolsonaro, então presidente da República, manteve diálogos com o autointitulado “hacker” e, pior, abriu as portas do Palácio da Alvorada para receber o vigarista em café da manhã no dia 10 de agosto de 2022, às vésperas, portanto, do início oficial da campanha eleitoral. Por si só, a presença de um notório trambiqueiro na residência oficial da Presidência é um escândalo sem precedentes. Trata-se de mais uma evidência da degradação moral a que Bolsonaro submeteu o cargo que lhe fora confiado pelos eleitores em 2018.

O próprio senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), presente na comissão, admitiu que o pai recebeu “Vermelho” no Alvorada. O encontro, segundo o filho “01″, teria se prestado a “uma sondagem” para que o “hacker” pudesse atuar “junto com aquele grupo das Forças Armadas” que estava no TSE a mando de Bolsonaro para supostamente encontrar vulnerabilidades nas urnas eletrônicas. Ou seja, “Vermelho” teria atuado como uma espécie de consultor técnico, digamos assim, daqueles militares que integraram a comissão especial designada pelo Ministério da Defesa para inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas, como uma das partes da Comissão de Transparência das Eleições formada pelo TSE.

Talvez o senador Flávio Bolsonaro não tenha se dado conta da extrema gravidade do que admitiu perante o País, desde a sala de sessões da CPMI do 8 de Janeiro. Ou talvez o dedicado filho de Bolsonaro ache normal e aceitável que um presidente da República entabule negociações com um fora da lei para ajudá-lo a alimentar suspeitas em relação à higidez do sistema eleitoral brasileiro, o que configura evidente trama golpista. É estarrecedor.

De acordo com o depoimento prestado à CPMI, Delgatti teria sido encaminhado ao Ministério da Defesa pela primeira vez por Jair Bolsonaro em pessoa, logo após aquele famigerado desjejum no Alvorada. Outras quatro visitas aos militares teriam ocorrido. Fossem realmente sérios e estivessem imbuídos de aferir, de fato, a segurança das urnas eletrônicas, os militares que integraram a comissão especial eleitoral deveriam ter posto Delgatti da porta para fora no primeiro encontro, se não ter lhe dado voz de prisão.

Em nenhum momento no curso dessas maquinações o interesse público esteve em alta conta, vale dizer, não havia uma genuína iniciativa, nem de Bolsonaro nem dos militares que desonraram a farda ao prestar-lhe vassalagem, de colaborar para que a confiança no sistema eleitoral brasileiro, de resto atestado como seguro por instituições e países insuspeitos, fosse compartilhada pelo maior número de cidadãos. Deu-se o exato oposto. O objetivo era justamente criar ainda mais confusão no País – e por meio de um rematado trapaceiro a quem teria sido pedido até que simulasse uma “invasão” a uma urna fajuta em cima de um palanque com o objetivo de “provar” a mentira de Bolsonaro segundo a qual as eleições no Brasil seriam suscetíveis à fraude.

O País merece uma investigação extremamente profissional dessas e de outras suspeitas gravíssimas que pairam sobre Jair Bolsonaro e os que a ele podem ter se associado para subverter a democracia. O peso das leis é o maior instrumento de defesa do Estado Democrático de Direito.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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