É péssimo para o País conviver com suas Forças Armadas abaladas por uma crise de confiança. É ocioso elaborar a respeito da centralidade do papel dos militares na defesa do interesse nacional em múltiplas frentes – sendo a de batalha a mais distante da realidade brasileira. E esse papel, é evidente, só pode ser bem exercido quando não pairam dúvidas sobre o Exército, a Marinha e a Aeronáutica quanto à sua credibilidade institucional e ao profissionalismo de seus integrantes. Noutras palavras: quando não se observa na atuação dos militares qualquer desvio de suas atribuições constitucionais.
A crise, contudo, aí está e não há como negá-la; como também é inescapável a conclusão de que alguns dos responsáveis pelo desgaste do prestígio das Três Armas perante a sociedade nos últimos anos envergam ou envergaram a mesma farda que passaram a desonrar por uma escolha livre e consciente de se afastar dos ditames da Constituição para se imiscuir na política. Se, por um lado, a ordem do general Tomás nada traz de novo, por outro, serve como uma espécie de “freio de arrumação”, vale dizer, é um lembrete à tropa dos papéis e responsabilidades dos militares no Estado Democrático de Direito à luz da Lei Maior.
No documento, entre outras providências, o comandante do Exército reafirma que a Força “é uma instituição de Estado, apartidária, coesa, integrada à sociedade e em permanente estado de prontidão”. Nada diferente, como se vê, do que diz a Constituição e do que dissera o próprio general Tomás em janeiro, quando, à frente do Comando Militar do Sudeste, ordenou que seus subordinados respeitassem o resultado da eleição passada. Em outras palavras, tratava-se de lembrar que este país não é uma republiqueta de bananas.
Lida friamente, a ordem do general Tomás é uma reafirmação de que a vida castrense em nada toca a política, própria da vida civil. São como água e óleo. O documento, pois, não passa de uma compilação de determinações que seriam desnecessárias e soariam apenas como as platitudes que são não fosse o momento delicado por que passam as Forças Armadas, em especial o Exército, como decorrência da ligação antirrepublicana de alguns militares, inclusive da ativa, ao bolsonarismo e das graves suspeitas que recaem sobre eles na preparação e execução dos atos golpistas do 8 de Janeiro e no suposto esquema de venda ilegal de joias da União no exterior.
Porém, justamente pelo desassombro com que se comportaram esses maus militares que, em nome de um desqualificado como Bolsonaro, expuseram a risco não só suas biografias, como a reputação institucional das Forças Armadas, certas obviedades precisam ser ditas – e, sobretudo, por quem as têm dito.
Há poucos dias, durante um seminário promovido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara sobre os limites constitucionais à atuação dos militares, o general da reserva Sérgio Etchegoyen se uniu ao comandante do Exército na defesa do afastamento de servidores de carreiras de Estado, inclusive militares, caso queiram participar de eleições. De fato, as coisas não se misturam, pois não pode haver uma névoa de suspeição sobre quem exerce funções típicas de Estado de que suas motivações funcionais possam ser outras além do interesse público.
A sociedade só perde a confiança nas instituições quando os cidadãos percebem que seus membros se desvirtuam de seus desígnios originários. Logo, o resgate dessa confiança passa, necessariamente, pelo retorno dessas instituições aos trilhos das leis e da Constituição. Nada há de mistério.