Ao ampliar escopo das guardas municipais, STF ignora a Constituição e faz populismo barato, que gera sérios perigos à população. Polícia exige treinamento e controle independente
A Constituição de 1988 não ignorou as guardas municipais. Estabeleceu que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. E, coerente com a natureza e a função desses órgãos municipais, o legislador constituinte não os mencionou no art. 144, entre os integrantes do Sistema de Segurança Pública.
No entanto, em vez de respeitar a escolha da Constituição, o STF preferiu fazer sua própria escolha. À revelia do que o texto constitucional dispõe, a Corte ignorou as enormes diferenças, dos bens jurídicos sob sua proteção ao treinamento recebido, entre as polícias e uma guarda de natureza patrimonial.
Além de equivocada institucionalmente, a decisão do Supremo é perigosa. A partir de agora, é quase certo que as cerca de mil guardas municipais existentes no País, além de outras que possam ser criadas, exercerão pressão sobre prefeitos e câmaras municipais para receber novas atribuições e quiçá armas de fogo, que são de uso exclusivo das forças policiais. No limite, poderá haver no Brasil nada menos que 5.568 “polícias municipais” – armadas, sem o devido treinamento para atividades voltadas à segurança pública e, principalmente, sem estarem sujeitas ao mesmo regime jurídico das polícias, civis ou militares, estaduais ou federais. Uma temeridade.
Até a conclusão do julgamento da ADPF 995, prevalecia o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que aos guardas municipais não cabe exercer atividades típicas de policiais, tais como patrulhamento ostensivo, revistas pessoais e apreensões. Não se discute que os agentes municipais, à luz do artigo 301 do Código de Processo Penal, não só podem, como devem prender indivíduos que se encontram em flagrante delito. Mas o que a ANGM queria – e conseguiu – era algo que vai muito além: trata-se de uma descabida e arriscada equiparação entre guardas municipais e polícias.
Ao dizer que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública, na prática o STF reconhece que elas têm o mesmo status jurídico dos demais integrantes do sistema, o que não faz o menor sentido. As polícias estão submetidas a rigoroso controle externo e independente, enquanto as guardas municipais respondem, em geral, apenas aos prefeitos e às suas próprias corregedorias internas.
Talvez alguém possa pensar que a decisão do STF, ampliando o escopo constitucional das guardas municipais, contribui para a segurança das cidades. Trata-se de grave engano. É preciso treinar e melhorar as polícias, e não apenas dizer que outros agentes públicos, não treinados e sem contar com o devido controle, podem atuar como policiais.
Além disso, ao ampliar além do que estabelece a Constituição, o Supremo interferiu na distribuição de competências entre os entes federativos. Não existe polícia municipal. Segurança pública é competência dos Estados. Aos municípios cabe apenas instituir guarda de natureza patrimonial.
Em vez de dar provimento à ADPF 995, o STF deveria ter rejeitado liminarmente a ação. Afinal, tal como prevê a Constituição, associação privada não tem legitimidade para propor esse tipo de ação. No entanto, o Supremo preferiu fazer populismo barato, lidando de forma não técnica com um tema sério, que tem muitas implicações sociais, políticas e institucionais. Perde o País.
Comentário nosso
Tem toda razão o Estadão. Errou o Supremo Tribunal Federal. Guardas Municipais não tem nenhum preparo para exercer função de polícia. E a Constituição Federal não admite de maneira nenhuma esta extrapolação da função a que se destinam os guardas municipais. A CF 88 diz claramente em seu artigo 144, §8º: “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Se policiais militares e até de polícias federais, que em tese tem um preparo muito melhor, cometem abusos., de que não serão capazes, milhares de guardas municipais em todo o país, conduzidos pelos interesses mesquinhos de prefeitos e vereadores. (LGLM)