Guarda municipal não é polícia (seguido de comentário nosso)

By | 30/08/2023 7:49 am

Ao ampliar escopo das guardas municipais, STF ignora a Constituição e faz populismo barato, que gera sérios perigos à população. Polícia exige treinamento e controle independente

 

Imagem ex-librisO Supremo Tribunal Federal (STF) cometeu grave erro ao incluir as guardas municipais no Sistema de Segurança Pública, equiparando-as, na prática, às polícias, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis e as Polícias Militares. A decisão foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, interposta pela Associação Nacional dos Guardas Municipais (ANGM). Empatado em cinco a cinco, o julgamento estava suspenso desde junho, aguardando a recomposição do colegiado do STF. No dia 25 de agosto, o ministro Cristiano Zanin proferiu o voto de desempate pelo provimento da ação.

A Constituição de 1988 não ignorou as guardas municipais. Estabeleceu que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. E, coerente com a natureza e a função desses órgãos municipais, o legislador constituinte não os mencionou no art. 144, entre os integrantes do Sistema de Segurança Pública.

No entanto, em vez de respeitar a escolha da Constituição, o STF preferiu fazer sua própria escolha. À revelia do que o texto constitucional dispõe, a Corte ignorou as enormes diferenças, dos bens jurídicos sob sua proteção ao treinamento recebido, entre as polícias e uma guarda de natureza patrimonial.

Além de equivocada institucionalmente, a decisão do Supremo é perigosa. A partir de agora, é quase certo que as cerca de mil guardas municipais existentes no País, além de outras que possam ser criadas, exercerão pressão sobre prefeitos e câmaras municipais para receber novas atribuições e quiçá armas de fogo, que são de uso exclusivo das forças policiais. No limite, poderá haver no Brasil nada menos que 5.568 “polícias municipais” – armadas, sem o devido treinamento para atividades voltadas à segurança pública e, principalmente, sem estarem sujeitas ao mesmo regime jurídico das polícias, civis ou militares, estaduais ou federais. Uma temeridade.

Até a conclusão do julgamento da ADPF 995, prevalecia o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que aos guardas municipais não cabe exercer atividades típicas de policiais, tais como patrulhamento ostensivo, revistas pessoais e apreensões. Não se discute que os agentes municipais, à luz do artigo 301 do Código de Processo Penal, não só podem, como devem prender indivíduos que se encontram em flagrante delito. Mas o que a ANGM queria – e conseguiu – era algo que vai muito além: trata-se de uma descabida e arriscada equiparação entre guardas municipais e polícias.

Ao dizer que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública, na prática o STF reconhece que elas têm o mesmo status jurídico dos demais integrantes do sistema, o que não faz o menor sentido. As polícias estão submetidas a rigoroso controle externo e independente, enquanto as guardas municipais respondem, em geral, apenas aos prefeitos e às suas próprias corregedorias internas.

Talvez alguém possa pensar que a decisão do STF, ampliando o escopo constitucional das guardas municipais, contribui para a segurança das cidades. Trata-se de grave engano. É preciso treinar e melhorar as polícias, e não apenas dizer que outros agentes públicos, não treinados e sem contar com o devido controle, podem atuar como policiais.

Além disso, ao ampliar além do que estabelece a Constituição, o Supremo interferiu na distribuição de competências entre os entes federativos. Não existe polícia municipal. Segurança pública é competência dos Estados. Aos municípios cabe apenas instituir guarda de natureza patrimonial.

Em vez de dar provimento à ADPF 995, o STF deveria ter rejeitado liminarmente a ação. Afinal, tal como prevê a Constituição, associação privada não tem legitimidade para propor esse tipo de ação. No entanto, o Supremo preferiu fazer populismo barato, lidando de forma não técnica com um tema sério, que tem muitas implicações sociais, políticas e institucionais. Perde o País.

Comentário nosso

Tem toda razão o Estadão.  Errou o Supremo Tribunal Federal. Guardas Municipais não tem nenhum preparo para exercer função de polícia. E a Constituição Federal não admite de maneira nenhuma esta extrapolação da função a que se destinam os guardas municipais. A CF 88 diz claramente em seu artigo 144, §8º: “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Se policiais militares e até de polícias federais, que em tese tem um preparo muito melhor, cometem abusos., de que não serão capazes, milhares de guardas municipais em todo o país, conduzidos pelos interesses mesquinhos de prefeitos e vereadores. (LGLM)

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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