A pindaíba dos municípios

By | 28/09/2023 7:39 am
Imagem ex-librisPrefeitos de mais de 4.000 cidades preparam uma marcha a Brasília em outubro para pressionar o governo Lula da Silva por maiores repasses federais. A choradeira nada tem de novidade, mas tem relevância. Expõe paradoxos ainda não superados ao longo dos 35 anos de vigência da Constituição Cidadã. A correta transferência de atribuições sociais aos municípios pela Carta de 1988 jamais encontrou respaldo em uma equação federalista que garantisse às prefeituras as receitas necessárias para a execução dessas e outras políticas essenciais aos cidadãos. Quem sofre com essa omissão é o munícipe.

Reportagem do Estadão, integrante da série Desigualdade – O Brasil tem jeito, expôs a dificuldade enfrentada pela maioria dos municípios para quitar sua própria folha de pagamento – não raro, sobrecarregada e vitaminada em períodos eleitorais. De janeiro a junho deste ano, o gasto com os 7 milhões de servidores públicos das 5.568 cidades do País totalizou R$ 208,5 bilhões. Os repasses federais, resultantes da partilha do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobriram 74,8% dessa conta.

Não há dúvida de que uma elevação casual dos repasses da União aos municípios apenas enxugaria gelo. Cobriria o déficit na folha de pagamento, que somente no primeiro trimestre deste ano cresceu mais de 16%, sem grandes chances de suprir a carência de investimentos urbanos nem de melhoria no atendimento básico de saúde e educação. Obviamente, em razão de interesses eleitorais, não se vislumbram cortes de servidores municipais.

A questão de fundo certamente está na equação dos repasses federais e do acesso à parcela devida do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual, sobretudo pelo fato de que as obrigações constitucionais de prover os serviços de saúde e educação recaíram sobre os municípios desde 1988. Dados do Observatório de Informações Municipais (OIM) mostram que, de 1972 a 2022, os dispêndios orçamentários das prefeituras com saúde saltaram de 5,67% para 25,49%. No caso da educação, passaram de 14,82% para 26,76%. Os inevitáveis cortes recaíram, sobretudo, nos serviços urbanos, com queda de 27,41% para 9,89%.

A compressão do Orçamento pelos gastos com saúde e educação, entretanto, não é o único vetor da pindaíba das prefeituras desfalcadas de recursos até mesmo para essas áreas, além dos cruciais investimentos em saneamento básico e na infraestrutura urbana e rural. Igualmente grave é a incapacidade de os municípios construírem, ao longo desses 35 anos, estruturas arrecadadoras eficientes dos tributos que lhes competem. Nos mais pobres, é preciso considerar que a cobrança de IPTU é inviável; a do ISS, nula; e a do ITBI, surreal. Fato é que a maioria dos municípios que abrigavam mais de 50 mil habitantes de 2015 a 2019 não conseguiu coletar mais do que 10% do seu orçamento, segundo o OIM.

A situação de Araguainha (MT), pinçada com destaque pela reportagem, ilustra esse quadro. A prefeitura da cidade, onde vivem 1.010 brasileiros, emprega todos os trabalhadores formais da localidade, cujos salários consomem 64% dos repasses federais. Em contrapartida, cerca de 94,5% da população não tem acesso a esgoto tratado, a única escola está em ruínas, não há creche e falta asfalto nas ruas. É admirável haver candidatos à sua prefeitura.

Em parte, a reforma tributária poderá contribuir para elevar a receita da maioria dos municípios, ao garantir a arrecadação do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) no destino do consumo, conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mas há que considerar seriamente a revisão das leis que regulamentaram a acertada decisão do constituinte de 1988 de garantir maior protagonismo aos municípios no federalismo brasileiro. A Carta, tal qual promulgada, é irretocável nesse quesito. Mas, a bem do cidadão, falta ser aplicada.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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