Logo que as primeiras notícias de que Mauro Cid negociava um acordo de delação premiada vieram a público, quando ele ainda estava preso, interlocutores do tenente-coronel fizeram chegar ao entorno de Jair Bolsonaro recados de que o ex-presidente seria poupado na delação.
Crente nessa promessa, Bolsonaro chegou a dar entrevista elogiando Cid e chamando o ex-ajudante de “bom garoto”. A equipe de defesa acreditava que Cid faria uma confissão sobre o repasse de dinheiro da venda das joias e não implicaria o ex-presidente em nenhum outro esquema. A defesa também minimizava a importância de Cid como braço-direito de Bolsonaro, dizendo que ele não testemunhava todas as conversas e nem sabia de todos os segredos do ex-presidente.
As revelações trazidas em reportagens do UOL publicadas nas últimas semanas mostram que a realidade é completamente diferente. A delação premiada homologada no início de setembro ainda está sob sigilo, mas os fatos que já vieram à tona são politicamente tóxicos para o ex-presidente.
Para a PF, a informação mais comprometedora foi a revelação de um plano de golpe articulado por Jair Bolsonaro, com uma minuta preparada por seu ex-assessor Filipe Martins, e a concordância do então comandante da Marinha, Almir Garnier. O plano só não foi adiante porque não teve o consenso dos demais comandantes das Forças Armadas.
O relato inédito foi considerado essencial para fechar o acordo de delação premiada. Até agora, a defesa do ex-presidente tem negado sistematicamente cada uma das acusações feitas por Cid na delação. Filipe Martins e Almir Garnier nunca se pronunciaram sobre os fatos.
Mais do que isso: Cid traçou à PF um panorama do papel dos principais personagens do bolsonarismo nos ataques à democracia.
Em seus depoimentos, o ex-ajudante de ordens fez um raio-x do chamado Gabinete do Ódio, grupo de assessores palacianos suspeitos de comandar os ataques às instituições democráticas nas redes sociais, e também detalha a atuação dos principais ministros e políticos aliados de Bolsonaro nesse processo.
O relato do tenente-coronel também tem um grande peso por seu ineditismo: é a primeira delação premiada saída de um oficial superior das Forças Armadas e também de dentro do núcleo duro do governo de Jair Bolsonaro.
A fase atual do acordo de delação, entretanto, é a mais essencial para o prosseguimento das investigações. Agora, a defesa de Cid e a Polícia Federal realizam diligências para obter provas de corroboração para os relatos do tenente-coronel. É o desfecho desta fase que dirá se a delação terá valor legal como prova de acusação ou se constituiu apenas de conversa fiada.
No material que a PF está analisando e comparando com o teor dos depoimentos estão celulares apreendidos, comunicações realizadas entre os investigados, quebras de sigilo bancário e registros de entrada e saída em prédios públicos como o Palácio da Alvorada. A investigação ainda está longe de um desfecho.