A decomposição de Moro

By | 21/01/2024 6:36 am
Imagem ex-librisNo inesquecível desabafo do presidente Lula da Silva em março do ano passado, ao comentar seus dias na prisão, havia um quê de maldição: “Só vai estar tudo bem quando eu f… esse Moro”. Ao que parece, não era apenas o petista que estava com essa obscena disposição de vingança contra Sérgio Moro. O hoje (ainda) senador da República, que foi ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, juiz da Lava Jato e, nessa condição, algoz de políticos e empresários de variados carizes, está em acelerado processo de decomposição.

Em dezembro passado, segundo se soube há poucos dias, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal contra Moro e algumas das estrelas do time da Lava Jato, a pedido da Procuradoria-Geral da República, num caso de duas décadas atrás. Eles são acusados por um empresário e ex-deputado estadual paranaense de tê-lo obrigado a atuar como uma espécie de “agente infiltrado” para grampear políticos e empresários. Como o inquérito corre sob sigilo, não há muitos detalhes, mas o que veio a público é assustador – o suficiente para dizimar o pouco que ainda restava de credibilidade de Sérgio Moro e daquele time da Lava Jato.

A esta altura, pouco importa o desdobramento desse caso. Pode-se dizer que a eventual comprovação de inocência de Moro e dos demais suspeitos é irrelevante, pois o estrago para a reputação dos envolvidos já estará feito. Não serão poucos os que aqui verão uma espécie de justiça poética, uma vez que a Lava Jato, consciente e ativamente, usou o vazamento de pormenores picantes das investigações como uma espécie de antecipação do julgamento dos suspeitos, levando a opinião pública a relacioná-los implacavelmente à corrupção e a outros crimes diversos mesmo antes de qualquer comprovação, quase sempre com base apenas em delações e muitas vezes ao arrepio das garantias constitucionais.

Mas o infortúnio de Sérgio Moro e do time da Lava Jato não parece ser um fato isolado, e sim parte de uma espiral de desmoralização total da operação que messianicamente pretendeu salvar o Brasil da corrupção. Desde o momento em que o Supremo decidiu, entre abril e junho de 2021, desqualificar Sérgio Moro para julgar Lula da Silva, deixando o petista livre para concorrer à Presidência, parece haver uma sistemática tentativa de tratar a Lava Jato como essencialmente maligna e de considerar que todos os acusados pela operação como pobres vítimas do lavajatismo.

Essa percepção foi reforçada pelo próprio ministro Toffoli quando, ao anular as provas de inaudita corrupção obtidas a partir da delação de executivos da Odebrecht, qualificou a prisão de Lula como “um dos maiores erros judiciários da história do País”, fruto de uma “armação” da Lava Jato – cujos operadores, segundo Toffoli, tinham um “projeto de poder”, de “conquista do Estado”, chocando o “ovo da serpente dos ataques à democracia”. Ou seja: a Lava Jato resumia, em si mesma, tudo o que de pior havia no País.

A julgar pelo andar da carruagem, descobriremos em breve que nunca houve corrupção na Petrobrás, que todas as provas e confissões foram inventadas e que tudo não passou de um plano doentio para destruir reputações e para arruinar o Brasil – como, aliás, voltou a afirmar o presidente Lula da Silva na quinta-feira passada, quando declarou que a Petrobrás foi vítima de “mancomunação” entre a turma da Lava Jato e o governo americano. Como escreveu a colunista Elena Landau neste jornal, “mais um pouco, vamos ter de pagar indenização para corruptos confessos”.

Com a aniquilação moral de Sérgio Moro e da Lava Jato, tem-se, como consequência natural, a redenção moral de tantos quantos foram pilhados em falcatruas diversas ao longo das trepidantes investigações anticorrupção na história recente. Ressalve-se que obviamente não se trata de ver aí uma ação concertada entre os diversos interessados, ainda que seja tentador ligar os pontos, mas é inevitável constatar que há poucos insatisfeitos com o destino de Sérgio Moro – desmoralizado por Bolsonaro, desqualificado pelo Supremo e possivelmente despejado do Congresso. Que fim melancólico para aquele que se dispôs a ser a palmatória do mundo.

Comentário

Category: Últimas

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *