Em dezembro passado, segundo se soube há poucos dias, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal contra Moro e algumas das estrelas do time da Lava Jato, a pedido da Procuradoria-Geral da República, num caso de duas décadas atrás. Eles são acusados por um empresário e ex-deputado estadual paranaense de tê-lo obrigado a atuar como uma espécie de “agente infiltrado” para grampear políticos e empresários. Como o inquérito corre sob sigilo, não há muitos detalhes, mas o que veio a público é assustador – o suficiente para dizimar o pouco que ainda restava de credibilidade de Sérgio Moro e daquele time da Lava Jato.
A esta altura, pouco importa o desdobramento desse caso. Pode-se dizer que a eventual comprovação de inocência de Moro e dos demais suspeitos é irrelevante, pois o estrago para a reputação dos envolvidos já estará feito. Não serão poucos os que aqui verão uma espécie de justiça poética, uma vez que a Lava Jato, consciente e ativamente, usou o vazamento de pormenores picantes das investigações como uma espécie de antecipação do julgamento dos suspeitos, levando a opinião pública a relacioná-los implacavelmente à corrupção e a outros crimes diversos mesmo antes de qualquer comprovação, quase sempre com base apenas em delações e muitas vezes ao arrepio das garantias constitucionais.
Mas o infortúnio de Sérgio Moro e do time da Lava Jato não parece ser um fato isolado, e sim parte de uma espiral de desmoralização total da operação que messianicamente pretendeu salvar o Brasil da corrupção. Desde o momento em que o Supremo decidiu, entre abril e junho de 2021, desqualificar Sérgio Moro para julgar Lula da Silva, deixando o petista livre para concorrer à Presidência, parece haver uma sistemática tentativa de tratar a Lava Jato como essencialmente maligna e de considerar que todos os acusados pela operação como pobres vítimas do lavajatismo.
Essa percepção foi reforçada pelo próprio ministro Toffoli quando, ao anular as provas de inaudita corrupção obtidas a partir da delação de executivos da Odebrecht, qualificou a prisão de Lula como “um dos maiores erros judiciários da história do País”, fruto de uma “armação” da Lava Jato – cujos operadores, segundo Toffoli, tinham um “projeto de poder”, de “conquista do Estado”, chocando o “ovo da serpente dos ataques à democracia”. Ou seja: a Lava Jato resumia, em si mesma, tudo o que de pior havia no País.
A julgar pelo andar da carruagem, descobriremos em breve que nunca houve corrupção na Petrobrás, que todas as provas e confissões foram inventadas e que tudo não passou de um plano doentio para destruir reputações e para arruinar o Brasil – como, aliás, voltou a afirmar o presidente Lula da Silva na quinta-feira passada, quando declarou que a Petrobrás foi vítima de “mancomunação” entre a turma da Lava Jato e o governo americano. Como escreveu a colunista Elena Landau neste jornal, “mais um pouco, vamos ter de pagar indenização para corruptos confessos”.
Com a aniquilação moral de Sérgio Moro e da Lava Jato, tem-se, como consequência natural, a redenção moral de tantos quantos foram pilhados em falcatruas diversas ao longo das trepidantes investigações anticorrupção na história recente. Ressalve-se que obviamente não se trata de ver aí uma ação concertada entre os diversos interessados, ainda que seja tentador ligar os pontos, mas é inevitável constatar que há poucos insatisfeitos com o destino de Sérgio Moro – desmoralizado por Bolsonaro, desqualificado pelo Supremo e possivelmente despejado do Congresso. Que fim melancólico para aquele que se dispôs a ser a palmatória do mundo.