O poder de uma sociedade unida

By | 29/01/2024 3:19 pm
Imagem ex-librisEm 2024, completam-se 35 anos da retomada das eleições diretas para o cargo de presidente da República no País e 30 anos do Plano Real. Ambos os marcos históricos revelam, inequivocamente, que a sociedade brasileira é capaz de feitos extraordinários quando decide se unir em torno de propósitos comuns; quando é capaz de reconhecer que há questões de interesse nacional que se impõem às diferenças político-ideológicas que possa haver entre os cidadãos – de resto um atributo próprio de qualquer democracia vibrante.

Essa união dos cidadãos para reaver um direito político elementar e recuperar o valor de sua moeda, com o fim da hiperinflação, não surgiu por geração espontânea nem de longe foi obra do acaso. Tampouco derivou de diferenças essenciais entre o povo brasileiro de então – meados das décadas de 1980 e 1990, respectivamente – e o de hoje. O povo brasileiro segue o mesmo, com todas as suas potências e limitações.

O que, então, houve de diferente na mobilização da sociedade para superar um dos últimos resquícios da ditadura militar e para derrotar a inflação que havia décadas corroía a renda dos brasileiros, ampliava desigualdades e, como se não bastasse, desviava a atenção da Nação de outras questões tão ou mais graves? A resposta é simples: líderes políticos à altura dos desafios de seu tempo.

A redemocratização do País e, consequentemente, a retomada do direito de voto direto para a Presidência da República decorreram de um longo processo de negociações políticas e engajamento social que decerto teria outro desfecho não fossem a liderança e o espírito público de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, André Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, entre outros, àquela época.

De igual modo, o Brasil dificilmente teria vencido a hiperinflação sem que Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso tivessem a visão digna de estadistas de que aquele problema obstava o enfrentamento de todos os outros. E não só: sem que ambos os presidentes tivessem sido capazes de montar uma equipe altamente qualificada, dadas as credenciais técnicas e republicanas de seus membros, para auxiliá-los naquela faina. Destaca-se, por fim, a capacidade de comunicação de Fernando Henrique para dialogar com todos os cidadãos em termos compreensíveis, a fim de dar-lhes a dimensão do desafio a ser enfrentado e dos sacrifícios que haveriam de ser feitos em nome daquele objetivo coletivo.

As eleições indiretas e a hiperinflação ficaram para trás e, neste ano, a sociedade tem razões de sobra para celebrar ambas as conquistas: há eleições livres e periódicas no País e a inflação já não assombra os brasileiros como há mais de três décadas. Isso não significa, por óbvio, que não haja desafios tão ou mais prementes do que aqueles a demandar, hoje, a atenção coletiva. Desigualdades persistem em níveis obscenos, malgrado avanços pontuais nos últimos anos. A educação pública segue negligenciada, em particular o ensino básico. O medo da violência paralisa quase todos os brasileiros. A lista é longa.

O que parece não haver mais são estadistas imbuídos de um interesse genuíno de, mais uma vez, unir os brasileiros e concertar soluções para cada uma dessas mazelas. Os dois presidentes mais populares da história recente do País, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, vivem de insuflar a cizânia entre os brasileiros, fazendo crer, cada um a seu feitio, que adversários políticos são inimigos a serem alijados do debate público. Ao contrário de unir os cidadãos em torno de propósitos comuns, tanto Lula como Bolsonaro reforçam o tribalismo – a união entre os que veem o País e o mundo pelas mesmas lentes – e a exclusão de quem pensa diferente.

Não haverá progresso enquanto novas lideranças não se erguerem inspiradas por espírito público e senso de união; e os cidadãos se deixarem seduzir pelo discurso populista, agrupando-se em identidades políticas estreitas e inflexíveis. Tanto pior no contexto em que crenças particulares, cada vez mais, se sobrepõem à verdade factual.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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