Diante da repercussão negativa da notícia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cobrou da opinião pública que levasse em consideração o fato de que o Executivo optou por pagar o calote imposto pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro, aos credores de precatórios e aos governadores.
“Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior e que poderia ser prorrogado para 2027. Nós achamos que não seria justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião”, afirmou Haddad. “A opinião pública, formada e informada, deveria levar em consideração esse gesto do governo de colocar ordem nas contas no primeiro ano de governo.”
Antes mesmo de ser apresentada, no fim de 2021, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios foi duramente criticada por este jornal. Nos estranhos tempos bolsonaristas, até mesmo o dever do Executivo de pagar débitos em dia, em cumprimento a decisões judiciais já transitadas em julgado, foi relativizado por motivos eleitoreiros – e, diga-se de passagem, com o aval da maioria da Câmara e do Senado.
Felizmente este erro foi corrigido. A regularização dos precatórios atrasados de 2022 e 2023 e a antecipação dos débitos deste ano custaram R$ 92,3 bilhões aos cofres públicos, valor que ficou fora da apuração da meta por autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Excluídos os precatórios, portanto, o rombo fiscal atingiu R$ 138,1 bilhões, ou 1,27% do PIB, nas contas do Tesouro Nacional. Como a meta ajustada admitia um rombo de até R$ 213,6 bilhões, o governo julga ter feito um excelente trabalho, embora o próprio ministro tenha se comprometido a perseguir um déficit de 1% do PIB.
Como era previsível, os bolsonaristas criticaram duramente o déficit, comparando-o ao superávit registrado em 2022, último ano do governo Bolsonaro. Obviamente, a claque bolsonarista ignorou o fato de que esse superávit não teria sido possível sem o calote dos precatórios que a administração petista acabou de reverter.
Já os petistas dizem que o déficit entregue no primeiro ano do governo Lula da Silva poderia ter sido muito menor não fossem despesas que foram propositadamente antecipadas para facilitar o alcance da meta nos próximos anos.
Reconhecer que o desequilíbrio fiscal é estrutural e ultrapassa diferentes governos não é motivo para mudar a meta. Mesmo que atingi-la seja desafiador, mantê-la é a melhor maneira de conter os excessos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Cumpri-la, no entanto, requer ações efetivas, e não recorrer a calotes, manobras, desculpas, descontos e toda sorte de interpretações criativas.
Para isso, é imperativo enfrentar as despesas de uma forma mais realista. Se é verdade que as políticas públicas que compõem o Orçamento não podem sofrer cortes radicais como os propostos por Bolsonaro em programas como o Farmácia Popular, sob pena de inviabilizá-los, também é fato que os gastos autorizados pela emenda constitucional da transição foram muito além do que o necessário para recompor esses programas.
Enquanto as despesas aumentaram 12,5% em relação a 2022, já descontada a inflação, as receitas tiveram queda de 2,8%, a despeito de todo o esforço do ministro Haddad para recuperá-las sem aumentar impostos.
Alcançar as metas fiscais e reverter a trajetória de crescimento da dívida demandará bem mais que contingenciamentos. O problema não vem de hoje, e a tarefa não é apenas do Executivo. O Congresso prega um discurso a favor da responsabilidade fiscal, mas não abre mão dos recursos para emendas parlamentares e o fundão eleitoral, enquanto o Judiciário e o Ministério Público consumiram 1,6% do PIB em 2021, quatro vezes mais que a média mundial. Sem um esforço coletivo, a conta não fecha.