Uma tarefa coletiva

By | 31/01/2024 10:51 am
Imagem ex-librisO País encerrou o ano com um déficit primário de R$ 230,5 bilhões, o pior resultado desde 2020, quando teve início a pandemia de covid-19. É o equivalente a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Diante da repercussão negativa da notícia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cobrou da opinião pública que levasse em consideração o fato de que o Executivo optou por pagar o calote imposto pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro, aos credores de precatórios e aos governadores.

“Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é pagamento de dívida do governo anterior e que poderia ser prorrogado para 2027. Nós achamos que não seria justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião”, afirmou Haddad. “A opinião pública, formada e informada, deveria levar em consideração esse gesto do governo de colocar ordem nas contas no primeiro ano de governo.”

Antes mesmo de ser apresentada, no fim de 2021, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios foi duramente criticada por este jornal. Nos estranhos tempos bolsonaristas, até mesmo o dever do Executivo de pagar débitos em dia, em cumprimento a decisões judiciais já transitadas em julgado, foi relativizado por motivos eleitoreiros – e, diga-se de passagem, com o aval da maioria da Câmara e do Senado.

Felizmente este erro foi corrigido. A regularização dos precatórios atrasados de 2022 e 2023 e a antecipação dos débitos deste ano custaram R$ 92,3 bilhões aos cofres públicos, valor que ficou fora da apuração da meta por autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Excluídos os precatórios, portanto, o rombo fiscal atingiu R$ 138,1 bilhões, ou 1,27% do PIB, nas contas do Tesouro Nacional. Como a meta ajustada admitia um rombo de até R$ 213,6 bilhões, o governo julga ter feito um excelente trabalho, embora o próprio ministro tenha se comprometido a perseguir um déficit de 1% do PIB.

Como era previsível, os bolsonaristas criticaram duramente o déficit, comparando-o ao superávit registrado em 2022, último ano do governo Bolsonaro. Obviamente, a claque bolsonarista ignorou o fato de que esse superávit não teria sido possível sem o calote dos precatórios que a administração petista acabou de reverter.

Já os petistas dizem que o déficit entregue no primeiro ano do governo Lula da Silva poderia ter sido muito menor não fossem despesas que foram propositadamente antecipadas para facilitar o alcance da meta nos próximos anos.

Reconhecer que o desequilíbrio fiscal é estrutural e ultrapassa diferentes governos não é motivo para mudar a meta. Mesmo que atingi-la seja desafiador, mantê-la é a melhor maneira de conter os excessos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Cumpri-la, no entanto, requer ações efetivas, e não recorrer a calotes, manobras, desculpas, descontos e toda sorte de interpretações criativas.

Para isso, é imperativo enfrentar as despesas de uma forma mais realista. Se é verdade que as políticas públicas que compõem o Orçamento não podem sofrer cortes radicais como os propostos por Bolsonaro em programas como o Farmácia Popular, sob pena de inviabilizá-los, também é fato que os gastos autorizados pela emenda constitucional da transição foram muito além do que o necessário para recompor esses programas.

Enquanto as despesas aumentaram 12,5% em relação a 2022, já descontada a inflação, as receitas tiveram queda de 2,8%, a despeito de todo o esforço do ministro Haddad para recuperá-las sem aumentar impostos.

Alcançar as metas fiscais e reverter a trajetória de crescimento da dívida demandará bem mais que contingenciamentos. O problema não vem de hoje, e a tarefa não é apenas do Executivo. O Congresso prega um discurso a favor da responsabilidade fiscal, mas não abre mão dos recursos para emendas parlamentares e o fundão eleitoral, enquanto o Judiciário e o Ministério Público consumiram 1,6% do PIB em 2021, quatro vezes mais que a média mundial. Sem um esforço coletivo, a conta não fecha.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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