Assim, não há mais razão formal para o silêncio dos demais ministros do STF diante do ímpeto de Toffoli de agir como “revisor” dos escândalos de corrupção comprovadamente ocorridos nos governos do PT. O recurso é uma oportunidade de ouro para o Pleno realizar uma correção de rumos no STF. Afinal, a tremenda confusão que Toffoli tem causado ao revisitar os acordos de leniência firmados no âmbito das Operações Lava Jato, Greenfield e Cui Bono, entre outras, tem potencial para causar danos muito mais graves à Corte e ao País do que a mera mácula na biografia de um juiz – o que só tem importância, claro, no plano individual.
Nesse sentido, foi muito oportuno o destaque dado por Gonet para a higidez do acordo de leniência firmado entre a J&F e a Procuradoria da República do Distrito Federal, que nada tem a ver com a força-tarefa da Operação Lava Jato sediada em Curitiba. O procurador-geral deixou claro que a suposta “chantagem institucional” de que teriam sido pobres vítimas os executivos da J&F só pode ser fruto de “ilações e conjecturas abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial”. De fato, só alguém extremamente lhano para crer que uma empresa com capacidade para contratar a peso de ouro os melhores advogados do País aceitaria se submeter a um acordo que não lhe fosse vantajoso. Decerto não há quem pague multa de bom grado, mas entre isso e encarar a Justiça, os irmãos Batista fizeram sua opção.
Do ponto de vista processual, Gonet sustentou que Toffoli nem sequer poderia decidir sobre o pedido da J&F. E não porque o ministro seja suspeito – o que ele é –, mas porque é incompetente. Citando um antigo voto do próprio Toffoli, no qual o ministro criticara a concentração de decisões no âmbito da Lava Jato no Paraná, Gonet salientou que não há um “relator natural” da revisão de todos os acordos de leniência em curso no STF. Mas Toffoli, misturando alhos com bugalhos, acolheu o argumento da J&F de que o pleito da empresa tinha relação com outra ação proposta pela Odebrecht – a que culminou na anulação das provas que serviram de base para o acordo de leniência firmado entre a empreiteira e os procuradores da Lava Jato – e não redistribuiu o processo, o que seria correto.
Para sustentar sua causa, a Odebrecht argumentou que não poderia pagar a multa com a qual se comprometeu enquanto não analisasse as provas obtidas pela Polícia Federal (PF) na Operação Spoofing – aquela que revelou ao País a série de erros processuais gravíssimos cometidos por membros da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz federal Sérgio Moro. A questão é que a J&F não tem rigorosamente nada a ver com esse caso.
Gonet não chega a fazer a distinção explicitamente, mas fica nítido em seu arrazoado o contraste entre a robustez das provas que sustentaram o acordo de leniência da J&F com o MPF no Distrito Federal e a ilegalidade das provas obtidas na Operação Spoofing, provas estas que, registre-se, têm sido usadas de forma oblíqua pelo STF para reverter uma série de decisões antes válidas juridicamente, especialmente a que anulou a condenação do presidente Lula da Silva. Registre-se que os irmãos Joesley e Wesley Batista concordaram com o pagamento de uma multa de mais de R$ 10 bilhões para se verem livres das garras da Justiça.
Agora, Gonet estuda contestar a decisão de Toffoli que beneficiou a Odebrecht. Por muitas razões, mas, sobretudo, pelo resgate da confiança no STF por parte expressiva da sociedade e pela integridade do instituto da leniência, é no melhor interesse do País que esses recursos sejam deferidos.