O golpinho de Jair Bolsonaro

By | 11/02/2024 7:29 am

Parada foi decidida pelos generais que não falam

(Elio Gaspari, Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”. Na Folha, em 10/02/2024)

 

Elio Gaspari

Todo golpe vitorioso pinta-se heroico (São Petersburgo, 1917, ou Brasil, 1964) e todo golpe fracassado é mostrado como ridículo (Moscou, 1991, ou Brasil, 2022). Nenhum dos quatro teve tanto heroísmo nem tantas trapalhadas como as que foram pintadas pela vitória e pelo fracasso.

O ex-capitão reformado nunca viu um golpe. Segundo o general Ernesto Geisel, foi “um mau militar”. (Geisel viu seis e ganhou com as brancas em cinco.)

O golpe de Bolsonaro era público. Ele precisava de um Apocalipse como prelúdio. Como o fim do mundo não veio, Lula está no Planalto e ele ficou sem passaporte.

De perfil, diante de um grupo de homens, alguns com quepe militar, Braga Netto e Bolsonaro, dois homens brancos vestidos de terno, se cumprimentam com um aperto de mão.
O então presidente Jair Bolsonaro cumprimenta Walter Braga Netto durante celebração do Dia do Soldado, em Brasília – Evaristo Sá – 25.ago.2022/AFP

Pelo que se sabe até agora, Bolsonaro refinou o cenário em julho. Numa reunião com três generais palacianos (Braga NettoAugusto Heleno e Mário Fernandes), mais o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e Anderson Torres, da Justiça. Todos acompanharam-no na condenação das urnas eletrônicas.

Podia ter dito isso ao público, arrostando a contradita. Prático e clarividente, só o general Augusto Heleno: “Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. […] Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.

O golpe de 15 de novembro de 1889 foi armado dias antes, em segredo. O de 1937, combinado primeiro com os dois chefes militares da época. Em 1945, os mesmos generais decidiram derrubar Getúlio Vargas de manhã, e ele estava deposto à noite.

Diferente dos anteriores, o de 1964 teve um espoleta: o general Mourão Filho, que comandava as mesas de uma Região Militar em Juiz de Fora. (Na manhã de 31 de março, o general Humberto Castello Branco tentou pará-lo e, no meio da tarde, o general Costa e Silva deixou o Ministério da Guerra temendo ser preso.)

Bolsonaro não teve seu Mourão Filho. Os generais e coronéis que tramavam um golpe não tinham tropa para rebelar. O general Estevam Teophilo disse que queria uma ordem escrita.

As 135 páginas da decisão do ministro Alexandre de Moraes expõem um planejamento chinfrim (porque fracassou). Faltam nele generais e coronéis da ativa com comando de tropa. Faltam, porque ali estão os oficiais silenciosos.

Em 2022, por exemplo, circulava uma história segundo a qual Bolsonaro havia convidado o general Tomás Paiva, comandante da tropa do Sudeste, para uma de suas motociatas. Paiva recusou-se, e o ex-capitão disse: “Muita gente sua virá”.

“Se vier fardado, vai preso”, teria respondido o general, que nunca disse uma palavra com sentido político.

Como o general silencioso não fala, o espaço é ocupado por militares da reserva, que dão ordens aos seus taxistas, ou por generais palacianos, que comandam os motoristas de carros oficiais.

O general Augusto Heleno disse uma verdade. Só se vira a mesa antes da eleição. Noves fora 1930, depois, só se teria tentado em 1955, quando Juscelino Kubitschek já estava eleito. A trama passava pela demissão do ministro Henrique Lott (um general silencioso). Lott foi exonerado à tarde e, na madrugada, o presidente Carlos Luz estava deposto. Ele substituía provisoriamente o titular, Café Filho. Por ricochete, Café foi impedido de voltar ao Palácio do Catete. Em questão de horas, Lott derrubou dois presidentes.

COMPOSTURA

O general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, veio para a ribalta em 2018, quando foi colocado como interventor militar na segurança do Rio. Foi pedestre, porém discreto.

Como chefe da Casa Civil e ministro da Defesa, repetiu o desempenho. É verdade que, em junho de 2022, disse a empresários que, sem a auditoria das urnas eletrônicas, “não tem eleição”. Como é costume, desmentiu a notícia, pois sua fala teria sido tirada de contexto e mal interpretada. Jogo jogado, esses malditos jornalistas distorcem tudo.

As revelações trazidas pela Polícia Federal mostraram outro Braga Netto, nas suas palavras textuais, sem direito ao recurso da patranha do contexto.

Em dezembro de 2022, referindo-se ao comandante do Exército, general Freire Gomes, escreveu: “Omissão e indecisão não cabem a um combatente. […] Cagão”.

Poderia ter sido um momento de exasperação mas, dias depois, deu-se à futrica: “O Tomás foi hoje no VB, ontem. E aí acredite… Ele deu uma mijada no VB e na Cida.”

Tomás era o general Tomás Paiva, que comandava a tropa do Sudeste e hoje comanda o Exército. VB era o general Eduardo Villas Bôas, e Cida, a mulher dele.

Braga Netto foi adiante: “Nunca valeu nada!! A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás… revela. Ele ainda meteu o pau no Paulo Sérgio, disse que ele tem que ficar quieto! A Cida ficou louca. Se retirou da sala, para não botar o artista pra fora”.

Na futrica, sobrou para Villas Bôas e para o ex-ministro da Defesa general Fernando de Azevedo e Silva, demitido por Bolsonaro, que estava quieto no seu canto: “Na verdade, VB tinha paixões discutíveis. Fernando… Tomás”.

O TUÍTE ESQUECIDO DE VB

O general Eduardo Villas Bôas celebrizou-se com seu tuíte de abril de 2018, quando, como comandante do Exército, emparedou o Supremo Tribunal Federal, garantiu a permanência de Lula na cadeia e plantou a semente de uma anarquia militar.

No dia 15 de novembro de 2022, foi publicado em seu nome outro tuíte que ficou esquecido. Duas semanas depois do segundo turno, VB dizia assim:

“A população segue aglomerada junto às portas dos quartéis pedindo socorro às Forças Armadas. Com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e o amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos Poderes, ameaças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral”.

A essa época o general estava fora do Exército e do governo. Padecendo há anos de uma moléstia degenerativa, não caminhava e respirava com a ajuda de aparelhos. Seu tuíte mostrava algum desapontamento com a imprensa.

“O inusitado diante dos movimentos foi produzido pela indiferença da grande imprensa. Talvez nossos jornalistas acreditem que ignorando a movimentação de milhões de pessoas elas desaparecerão. Não se apercebem eles que ao tentar isolar as manifestações podem estar criando mais um fator de insatisfação. A mídia totalmente controlada nos países da cortina de ferro não impediu a queda do Muro de Berlim. A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão vencidas.”

No dia 15 de dezembro os bloqueios em estradas eram 32.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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