Objetivo do então presidente Jair Bolsonaro era colocar o bloco na rua, após repetidos ataques às urnas e à democracia
(Opinião de Eliane Cantanhêde, no Estadão, em 12/02/2024)
A fatídica reunião do presidente Jair Bolsonaro com ministros e assessores, no dia 5 de julho de 2022, para determinar que atuassem para desacreditar as eleições, as instituições e os divergentes – portanto, pelo golpe – foi na sequência de anos de “preparativos”, com manifestações de rua, articulações de bastidores e ameaças golpistas do próprio presidente, contra as urnas eletrônicas, e de seus filhos, contra Supremo, Congresso e mídia, pilares da democracia. A reunião foi para dar um passo decisivo: por as ameaças em prática, antes das eleições.
Um ano antes, o general Braga Neto, então ministro da Defesa, chamou um importante civil do governo para uma reunião com os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica e mandou um recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, em nome das Forças Armadas e dele próprio: ou as eleições seriam com voto impresso e auditável, à maneira deles, ou não haveria eleições. No mesmo dia, o presidente reverberava a ameaça em público.
O recado foi relatado à época pelas jornalistas Andreza Matais e Vera Rosa, no nosso Estadão, e está aí para quem quiser ler e comprovar que a audácia golpista da era Bolsonaro não era só “desejo”, “intenção”, “bravata”, como insistem grupos bolsonaristas. O golpe foi articulado, sim, inclusive com tentativa de cooptação ou intimidação de personagens-chaves da Câmara, Senado, Judiciário, mídia…
A reportagem, desmentida por Planalto, Defesa, Câmara (como sempre acontece quando a verdade dói) conta que Arthur Lira considerou gravíssimo um recado desses com aval dos comandos militares e foi até Bolsonaro para dizer que iria até o fim com ele, para a vitória ou a derrota, mas não para golpes e suspensão das eleições. A Câmara não abraçaria um projeto desses.
Lira cumpriu à risca: garantiu a votação dos projetos do governo na Câmara e apoiou Bolsonaro nos dois turnos, mas sempre se posicionou contra ataques às eleições e à democracia e foi o primeiro presidente de poder e líder político a, publicamente, reconhecer o resultado das urnas eletrônicas e a vitória do petista Lula.