Limitação das ‘saidinhas’ não é panaceia (com comentário nosso)

By | 25/02/2024 6:08 am

Restrição draconiana à concessão do benefício para todos os presos, indistintamente, significa a capitulação do Estado na missão de ressocializar os cidadãos sob sua custódia

Imagem ex-librisO Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.253/2022, que restringe duramente a concessão das saídas temporárias aos presos de bom comportamento em regime semiaberto. Pode-se dizer que os senadores promoveram um certo avanço humanitário. Afinal, o texto original aprovado pela Câmara previa o fim total das chamadas “saidinhas”, não sua limitação. De qualquer forma, o populismo prevaleceu no debate sobre um projeto que, a bem da sociedade, deveria ter sido discutido à luz das evidências, com mais técnica e menos paixão.

Dito isso, é incontornável reconhecer que o PL 2.253 mexe com as emoções de uma sociedade farta da leniência do Estado para lidar com o problema da violência. O País parece estar de joelhos diante de organizações criminosas cada vez mais perversas. É ultrajante ver agentes públicos se associarem a criminosos numa torpe joint venture delitiva que faz com que milhões de cidadãos se sintam largados à própria sorte. Aí estão as facções do tráfico e as milícias, que ocupam largas porções do território nacional e ali escrevem com sangue as suas próprias constituições.

Esse sentimento foi muito bem captado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), cujas credenciais democráticas e humanistas são insuspeitas. Ao votar a favor da restrição das “saidinhas”, Contarato reconheceu que, “diante dessas circunstâncias, não é razoável explicar (a concessão de benefícios penais) para quem teve um filho morto por homicídio doloso”. Pedindo perdão aos colegas de bancada, Contarato sustentou seu voto por entender que o benefício “não passa a sensação, mas a certeza da impunidade” para a população.

Há fundamento nesse desabafo do senador petista. O controle de permissões para as “saidinhas” é falho. Não há dúvida de que têm ido para as ruas em feriados e datas comemorativas alguns presos que jamais deveriam ter o benefício. Entretanto, são casos isolados, que não deveriam servir de base para a continuidade ou a revogação de uma política pública; deveriam, antes, servir ao seu aprimoramento.

É quase certo que o PL 2.253 será aprovado novamente pela Câmara antes de seguir para análise do presidente Lula da Silva. Resta ver se os deputados vão preservar no texto a emenda do senador Sergio Moro (União-PR), que manteve a permissão para as “saidinhas” para presos matriculados em cursos profissionalizantes, no ensino médio ou superior. Mas, independentemente do resultado final, é fundamental refletir se a medida, de fato, contribuirá para o aumento da segurança da sociedade. O castigo estatal tem uma justa dimensão restaurativa, mas também deve ensejar medidas capazes de evitar que os condenados voltem a delinquir quando postos em liberdade.

As “saidinhas”, se bem controladas, têm essa dimensão preventiva. Elas permitem que os presos de bom comportamento – que, diga-se, já desfrutam de certo grau de liberdade por cumprirem pena em regime semiaberto – tenham contato com suas famílias e, assim, sejam acolhidos por mais tempo em um ambiente social diametralmente oposto, por óbvio, à brutalidade dos presídios. Retirar de todos os presos, indistintamente, esse respiro de humanidade tende a aumentar a vulnerabilidade dos que cometeram crimes menos graves ao assédio cada vez mais violento das organizações criminosas que exercem poder de vida e morte intramuros.

O problema da violência deve ser enfrentado com um arcabouço legal mais inteligente. No caso em questão, isso significa aprimorar os controles sobre as “saidinhas”, não acabar com o benefício.

Medidas de ressocialização não são favores prestados aos criminosos. É no melhor interesse da sociedade que elas existem. Não há pena de morte nem tampouco de prisão perpétua no Brasil, o que significa que quem cometeu um crime e foi preso um dia haverá de voltar ao convívio social. Que preso será esse e com que espírito voltará a circular pelas ruas, depende de quanto o Estado está disposto a lhe estender a mão para reconduzi-lo para uma vida digna.

Comentário nosso

Concordamos plenamente com o Estadão. O projeto aprovado pelo Senado é demagógico, aprovado apenas para atender ao clamor popular contra a violência que impera no país. A “saidinha”, assim como a progressão de pena, são medidas que viabilizam a ressocialização dos detentos e os prepara para voltar ao convívio social. Só que devem ser concedidas apenas a quem esteja realmente preparado para voltar ao convívio. E o Estado deve trabalhar mais intensamente para o trabalho de ressocialização, separando o joio do trigo, ou seja, separando o criminoso reincidente e de dificil recuperação, do criminoso primário, desde a entrada deste nos presídios, por ser muito mais fácil a sua recuperação. Os criminosos facciosos deixam de ter compromisso com a sociedade para atenderem apenas aos interesses de suas facções e dificilmente se livram do seu controle, continuando a cometer crimes, mesmo fora da cadeia.  A violência que grassa na sociedade tem inúmeros fatores que devem ser atacados pelo Governo. A segregação absoluta dos presos jamais vai resolver sozinho o problema da violência, como demagógicamente dão a entender os parlamentares brasileiros, ao aprovarem este projeto esdrúxulo. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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