A acomodação de Lula com os militares

By | 17/03/2024 9:25 am
Imagem ex-librisO presidente Lula da Silva determinou a seus ministros e a todo o governo que, neste mês de março, não realizem atos, solenidades e discursos nem produzam material em memória dos 60 anos do golpe militar. Apesar das críticas que vem recebendo de organizações de direitos humanos e familiares de vítimas da ditadura, Lula age corretamente ao escapar da tentação de transformar a data em ato de governo. As circunstâncias lhe exigem prudência, conciliação e apaziguamento – atributos que, ressalte-se, deveriam se verificar em outros temas que chegam à agenda presidencial.

Felizmente, certos delírios lulopetistas foram substituídos, neste caso, pela maturidade. Governos não são eleitos para instigar desavenças. Chefes de Estado não devem espalhar brasas onde já existe fogo e tensão. Num país cindido pela polarização, a preservação do equilíbrio entre grupos e instituições é fundamental para a democracia. É o que está em jogo. Isso é ainda mais verdadeiro diante da frágil estabilidade entre o governo lulopetista e os militares, aguçada pelo 8 de Janeiro e a investigação sobre o possível envolvimento de integrantes das Forças Armadas na aventura golpista que cogitou impedir a posse de Lula e estender o mandato de Jair Bolsonaro.

Lula e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, vêm acertadamente buscando promover uma acomodação, depois de um período de desconfiança total. A decisão sobre a data de aniversário do golpe e a recente declaração do presidente de que não vai “remoer o passado” e tentará “tocar este país para frente” são dois sinais de uma mesma estratégia. É um imperativo da governabilidade num contexto de feridas à espera de cicatrização, e também uma forma de prestigiar o atual comando militar, também artífice da pacificação. Trata-se de uma via de mão dupla: tudo indica que, diferentemente de anos anteriores, militares não celebrarão o “movimento de 1964″ com a chamada “ordem do dia” lembrando o 31 de março. Os tempos são outros. Há momentos em que é preciso afirmar que o passado passou.

A estratégia será bem-sucedida se também for capaz de evitar que militares voltem a interferir na política doméstica. Não lhes cabe enxergar-se como um poder moderador da República, como chegaram a defender alguns setores da extrema direita, numa singular interpretação do artigo 142 da Constituição Federal. Como já sublinhamos neste espaço, o texto da Constituição não autoriza essa leitura, ficando as Forças Armadas submetidas ao poder civil, e não o contrário.

Houve, porém, quem definisse o gesto do governo como uma evidência de que a democracia e a Constituição estão se curvando às Armas. São duas agendas distintas: de um lado, um princípio elementar de sustentação do equilíbrio democrático; de outro, a necessidade de reconhecimento das violações aos direitos humanos e da memória das vítimas da ditadura. Conciliação não é esquecimento, assim como memória, verdade e justiça não significam revanchismo. Essa dupla premissa, basilar num país que enfrentou uma ditadura, justifica, por exemplo, a necessidade de reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).

Extinta no final do governo de Jair Bolsonaro, notório admirador de alguns dos mais cruéis agentes da ditadura, a CEMDP está prevista na Constituição e foi criada logo no primeiro ano de governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O objetivo era dar reconhecimento oficial a pessoas que morreram ou desapareceram pela sua atuação política durante a ditadura militar, incluindo a emissão de atestados de óbito para parentes das vítimas, a localização de corpos e a possibilidade de reparação por meio de indenizações. A reabertura da comissão é um dever do presidente Lula, na prerrogativa do governo de abrir caminho para a responsabilização do Estado pela contumaz violação de direitos humanos cometida por seus agentes durante o regime militar.

Apesar de as circunstâncias não serem simples para a reabertura da comissão, convém não esquecê-la. São duas agendas distintas, mas conciliáveis – um compromisso mútuo de transigência em favor da democracia.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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