A julgar pelo que disseram os ex-comandantes, a ruptura do regime democrático foi tramada por Bolsonaro sem recurso a meias palavras. De forma direta, o ex-presidente considerou empregar meios violentos para fazer letra morta da Constituição e se aferrar ao poder. É assim, como uma trama concreta, que a tentativa de golpe deve ser tratada pelas autoridades incumbidas de investigar, processar e julgar Bolsonaro e todos os sediciosos que a ele se associaram – até as últimas consequências.
São estarrecedoras as revelações dos militares, trazidas a público agora que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu retirar o sigilo das investigações. Aos policiais, Freire Gomes afirmou que Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada com a cúpula das Forças Armadas após a derrota no segundo turno para apresentar aos comandantes “hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e estados de defesa e sítio em relação ao processo eleitoral”.
Baptista Júnior, por sua vez, relatou à PF que, diante da insistência de Bolsonaro em encontrar meios para subverter a ordem democrática, por pura irresignação com o resultado da eleição, o então comandante do Exército chegou a ameaçá-lo de prisão. “O general Freire Gomes afirmou que, caso (Bolsonaro) tentasse tal ato, teria de prender o presidente da República”, disse o brigadeiro, que, assim como Freire Gomes, foi ouvido pela PF na condição de testemunha.
Para além do fato de terem chegado ao topo da carreira em suas respectivas Forças, Freire Gomes e Baptista Júnior estiveram no centro nevrálgico da conspiração bolsonarista. Dessa posição de destaque, o general e o brigadeiro foram determinantes para o fracasso do golpe, independentemente das razões que os tenham motivado a agir como agiram. Agora, como testemunhas, têm servido ao País para elucidar a anatomia do golpe urdido. Por isso o peso de suas palavras.
Que Bolsonaro é um ressentido com a democracia e um golpista de marca maior, já era fato público e notório desde muito antes de ele cogitar concorrer à Presidência da República. Seus quatro anos de mandato como chefe de Estado e de governo só deixaram claro para um público mais amplo a sua índole liberticida. A natureza golpista de Bolsonaro, no entanto, não diminui a importância das revelações feitas por seus ex-comandantes militares – ao contrário.
Também em depoimento à PF, o presidente do PL, o notório Valdemar Costa Neto, revelou as pressões que teria sofrido de Bolsonaro para que o partido bancasse com dinheiro público um relatório fajuto lançando suspeitas contra o sistema eleitoral. Fica claro, assim, que Bolsonaro procurou se cercar de meios políticos e militares para levar a cabo a intentona.
Inconformado com a derrota eleitoral, Bolsonaro se moveu para pôr tropas armadas nas ruas a fim de sustentá-lo no cargo, sob a falsa justificativa de que a eleição não teria sido limpa. Tramou prender autoridades políticas e judiciárias. Por óbvio, teria lançado suas garras também sobre a imprensa profissional e independente. No limite, Bolsonaro assumiu o risco de derramar o sangue de concidadãos em nome de um projeto pessoal de poder. Um doidivanas, assim como os fardados que anuíram com essa loucura.
Eis a dimensão da sordidez. Ao tempo que fazia chegar ao País a informação de que estaria “deprimido” por não ter sido reeleito, Bolsonaro, na verdade, estava maquinando o fim da democracia, cuja reconquista tanto custou aos brasileiros. Que isso não saia barato.