Foram precisos 32 anos para que o artigo 142 virasse a confusão que se tornou. Bolsonaro estava no início do seu mandato quando começou a confrontar o Supremo Tribunal Federal. Ora por um motivo, ora por outro, o presidente ia esticando a corda com os ministros da Corte. Até que lhe foi dito que o artigo 142 permitia às Forças Armadas serem poder moderador, acima dois demais outros Três Poderes. Foi uma festa para Bolsonaro. Nem ele sabia disso. Sendo assim, ele poderia intervir no Supremo, um dos desejos que mais acalentou ao longo do seu governo.
Textualmente, o artigo 142 diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Naqueles tempos em que a as comissões temáticas redigiam os artigos da Constituição da garantia da “lei e da ordem”, a ideia do poder moderador foi uma exigência do então todo-poderoso ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Em uma conversa que tivemos, ele lembrou das desconfianças que permeavam os militares sobre a Constituição que estava sendo redigida. As Forças Armadas temiam que o texto fosse liberal demais e o País saísse do controle. Alguns mais exagerados pensavam até que ainda se corria o risco de o Brasil virar um “Cubão”, como o próprio Leônidas dizia. Ele contou também que partiu para o enfrentamento com parlamentares de esquerda para que a frase não fosse retirada, como a maioria queria, e saiu vitorioso com seu “poder moderador”.
Aprovada a Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, como dizia Ulysses Guimarães, e o Brasil consolidando sua democracia, o assunto foi sendo deixado de lado. Até que Bolsonaro foi eleito, a política voltou aos quartéis e, com ela, às teses golpistas que embalaram os rompantes, as minutas, as mensagens e todo tipo de excrescência que o ex-capitão e os que lhe eram próximos criaram, tentando um golpe que impedisse o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de assumir o cargo.
Entretanto, o suposto poder das Forças Armadas de atuar como poder moderador nunca colou, a não ser entre os bolsonaristas mais fanáticos. Ainda ontem, um general da reserva brincou: “O Supremo não precisava ter tido todo esse trabalho. Bastava consultar o Alto Comando do Exército que ele lhe diria que isso não fazia o menor sentido. Há poucos dias, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, disse exatamente isso a ‘O Globo’.
Mas foi bom que o STF tenha tido esse trabalho. Primeiro, porque enterrou definitivamente o tema. Segundo, porque até os ministros indicados por Bolsonaro – André Mendonça e Kássio Nunes Marques – rejeitaram a interpretação do ex-chefe e acompanharam o voto do relator Luiz Fux. Por fim, porque os ministros não mediram adjetivos para qualificar a “aberração jurídica”, como disse o ministro Dias Toffoli.
Comentário nosso
Há quem argumente que o STF nem precisaria ter discutido este assunto que seria pacífico inclusive nos meios militares. Mas a nosso ver era necessário para sepultar loucuras como estas que foram defendidas por Bolsonaros e seu “cordão de puxa-sacos”. Importante inclusive foi este placar de 11 a 0, inclusive, com votos dos ministros nomeados por Bolsonaro. (LGLM)