Com quase metade das crianças na pobreza, segundo o IBGE, o Brasil tem falhado no cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento e precisa refazer suas escolhas
Tais números constam do documento Criando sinergias entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o G-20, publicado no contexto da presidência brasileira no G-20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia. Ao reunir estatísticas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 – o plano global estabelecido na ONU para que tenhamos em 2030 um mundo melhor para todos os povos e nações –, vê-se que a pobreza do Brasil afeta mais os jovens. Zero-5, 6-14 e 15-17 são as faixas de idade com os piores resultados entre dez grupos populacionais analisados pelo IBGE. O problema não se resume à pobreza monetária, mas também à chamada pobreza multidimensional, que abrange indicadores relacionados a trabalho, educação, saúde, segurança pública, habitação, nutrição e assistência.
Ainda que tais índices apresentem leve melhora se comparados a 2021, e mesmo que a taxa brasileira de pobreza tenha se reduzido de 36,7% em 2021 para 31,6% em 2022, são níveis incompatíveis com o patamar de riquezas do Brasil e com quaisquer ambições de dignidade e oportunidade mínimas para os brasileiros. E não estamos sozinhos: de acordo com o Unicef, em termos globais, cerca de 50% das pessoas em situação de extrema pobreza são crianças, apesar de representarem somente um terço da população do planeta.
Os dados demonstram, contudo, a insuficiência brasileira no cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento, a começar pela superação da pobreza. Não é de hoje que os maiores especialistas no assunto vêm sublinhando a necessidade de aperfeiçoamento das políticas de transferência de renda e de uma maior atenção à superação de problemas estruturais que nos permita remover a chaga da pobreza. Estudo recente que tem entre seus autores o economista Ricardo Paes de Barros, um dos pais do programa Bolsa Família, avaliou, por exemplo, a qualidade do Cadastro Único, a partir do qual o governo define quem receberá recursos de programas sociais. Desatualizado nos últimos anos, o chamado CadÚnico faz mais de cem perguntas para as pessoas, mas a definição de quem receberá e o quanto receberá é feita com base em apenas uma variável: a renda declarada.
Esse e outros problemas levam à dispersão dos recursos, que nem sempre chegam a quem mais precisa. É de Paes de Barros a avaliação corrente sobre o mau direcionamento dos recursos, algo mais perverso do que a própria carência de dinheiro. Mas como o documento do IBGE lembra, a desagregação dos dados para os indicadores ODS permite captar a população em situação de vulnerabilidade e as desigualdades, para então combatê-las por meio de políticas públicas. E assim se olhar para um dos princípios da Agenda 2030: não deixar ninguém para trás. É uma vergonha nacional constatar que, sim, estamos deixando parte dos brasileiros para trás, precisamente metade de nossas crianças – justamente a fatia da população que ajudará a pavimentar o futuro do País.
Não é vergonha voltar atrás e buscar o que se esqueceu, como ensina um provérbio africano. Devemos nos lembrar disso diante dos números da pobreza, sobretudo de crianças.
Comentário nosso
Está em voga a discussão sobre a violência que grassa no Brasil e que precisa ser combatida com urgência. A violência se deve a diversos fatores que precisam ser abordados ao mesmo tempo se não quisermos viver no Brasil antes que se torne inviável. E dos piores abastecedouros da violência é a pobreza, afetando principalmente as crianças. Qual é o destino de milhões de crianças criadas na miséria? É, na juventude, descambarem para o crime, realimentando a violência. E temos que combater isso, de todas as maneiras possíveis, no nascedouro, ou seja, ainda quando crianças. Dar-lhes condições de sobrevivência, de educação e de encaminhamento na vida que os tornem cidadãos produtivos. Isso vai afetar outro grande problema nosso que é a educação. Quem nasceu na pobreza e escapou dela, e até subiu na vida, e disso falámos de cátedra, tem que agradecer antes de tudo às oportunidades que teve de estudar e crescer como cidadão produtivo. Cuidar dar infância, dar-lhe condições de crescer e de se educar são dois passos importantes para combater a violência e tornar o Brasil um país viável. (LGLM)