É com espírito público, portanto, que esse trabalho deve ser visto pelo Palácio do Planalto. Está claro que há um jeito correto e eficiente de fazer as coisas – e, como mostrou a Corte de Contas, há meios para que assim seja. Cabe ao presidente Lula da Silva lutar contra seus cacoetes ideológicos, além de deixar seus interesses eleitoreiros mais imediatos de lado, e abraçar a boa técnica para melhor atender os que realmente precisam do amparo do Estado.
O RePP é resultado de uma ampla auditoria que cobriu diversas políticas públicas em andamento. Mas o relatório é particularmente oportuno para o aprimoramento do Bolsa Família. Em primeiro lugar, porque um país como o Brasil não pode prescindir de um eficiente programa de transferência de renda, que propicia o básico para que os cidadãos mais vulneráveis tenham uma vida minimamente digna – o que começa com o acesso à alimentação.
Ademais, é sabido há muitos anos que o Bolsa Família, em que pesem seus reconhecidos méritos, ainda tem muito a melhorar em termos de focalização dos beneficiários e, consequentemente, de eficiência do gasto público.
O TCU identificou, por exemplo, que o Benefício Complementar de R$ 600 mínimos por família, cuja origem é o Auxílio Brasil implementado no governo de Jair Bolsonaro, é prejudicial para a equidade per capita do programa. Isso ocorre, de acordo com o relatório, porque “o benefício atende diferentes unidades familiares pelo mesmo valor, independentemente do número de integrantes”. Vale dizer, a fixação de um valor mínimo para todos, que desconsidera as necessidades singulares de cada lar atendido, penaliza os mais carentes entre os desvalidos. Na época da pandemia de covid-19, era compreensível que se despejasse dinheiro para mitigar os danos para as famílias mais pobres. Mas esse tempo passou.
De acordo com o RePP, a remodelagem do Bolsa Família, com o fim de “transferência para algumas famílias de valores além daqueles necessários para a sua retirada da situação de pobreza”, pode gerar uma economia anual de quase R$ 13 bilhões para o erário. Mas o objetivo principal nem deve ser reduzir o gasto, e sim torná-lo mais inteligente.
Grande parte da ineficiência do atual modelo do Bolsa Família decorre da má focalização – ou seja, cidadãos que estão recebendo o benefício, mas não deveriam ou deveriam receber menos. Segundo o ministro Vital do Rêgo, “o novo desenho do Bolsa Família, apesar de ter melhorado o custo-efetividade em relação ao Auxílio Brasil, ainda apresenta custos para redução da pobreza superiores ao antigo Bolsa Família, caso não houvesse incorporado o Benefício Complementar (de R$ 600)”. Um novo desenho, sem o pagamento indistinto do Benefício Complementar, pode levar a uma economia de 9,1% no orçamento do Bolsa Família, “mantendo o mesmo impacto no combate à pobreza, ou reduzir a pobreza a 7,2% a mais, com o mesmo orçamento”.
Como se vê, não se trata de investir menos, mas de investir melhor. E isso não é novidade. Desde a primeira versão do programa, nos idos do primeiro mandato de Lula, não tem faltado alertas de respeitados estudiosos, como Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa, entre outros, salientando a necessidade de ajustes para uma melhor focalização do benefício social.
O Bolsa Família tem história. Há uma massa de dados acumulados. Há uma burocracia competente para analisá-los. Cabe a Lula decidir o que fazer com esse cabedal de conhecimento e melhorar o programa a fim de melhor atender às necessidades prementes dos beneficiários – mas, sobretudo, dar-lhes condições para uma vida independente no futuro.
Comentário nosso – Tem toda razão o Tribunal de Contas da União e o editorial do Estadão, com relação à necessidade de reforma do Bolsa Família. Tem gente recebendo mais do que merece, na comparação com os demais beneficiários e isso só contribuiu para o nojo a um emprego adquirido pela maioria dos que recebem o Bolsa Família. Mas há a nosso ver uma outra mudança mais importante do que as que estão sendo sugeridas. O Bolsa Família deveria ser um beneficio temporário. Assim como o Seguro-Desemprego deveria ter um prazo de vigência. Podia ser até mais largo do que os prazos do Seguro Desemprego, mas devia ter um prazo de vigência. Um ano, dois anos ou até conseguir um emprego. O caráter permanente do benefício só estimula o desinteresse de voltar a t”rabalhar. É o que se vê pelo Brasil afora. Ninguém quer mais trabalhar, por que faz uma “arrumação com o Bolsa e faz bicos para tomar a cachaça. Doméstica previne logo a patroa de que não quer carteira assinada, para não perder o Bolsa. E o benefício só estimula a vagabundagem. E esperar interesse de Lula com relação às mudanças talvez seja demais. Para ele interessam muito mais os votos que pode obter para o seu partido do que a economia que pode gerar a reforma do programa. (LGLM)