Dia de terror no Rio é o sintoma mais óbvio do despreparo do País para lidar com crime organizado. Hoje, nenhum cidadão daquela cidade pode cochilar no ônibus a caminho do trabalho
Estavam ali todos os ingredientes de um roteiro tristemente conhecido: a demonstração de força dos bandidos, o despreparo da polícia escalada para combatê-los, uma operação montada de forma precipitada e realizada após pouca investigação, a fragilidade dos serviços de inteligência, a ausência de diálogo e coordenação com as polícias civil e federal e um complexo de favelas controlado por um traficante de altíssima periculosidade, que costuma matar sem piedade os inimigos ou quem ousa contrariá-lo.
Difícil imaginar desfecho muito diferente de uma tragédia adornada por mortos, feridos e pânico. A isto se somam as previsíveis declarações de autoridades ansiosas para se livrar da responsabilidade ou para negar a espantosa incompetência: enquanto o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), definia o tiroteio como um “ato de terrorismo” – expressão habitual a que se recorre quando se deseja justificar a inépcia governamental –, a Polícia Militar (PM) do Rio defendia a operação e seu resultado: “Não foi um erro, mas uma ação necessária”, sugeriu Claudia Moraes, tenente-coronel da PM.
De fato, foi uma ação necessária – mas repleta de erros. O Complexo de Israel inclui uma espécie de praia particular do tráfico de drogas no Rio, reúne cinco comunidades, é cercada de vias importantes, como a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Rodovia Washington Luiz, e há muitos anos passou a ser controlada com mão de ferro por traficantes. Como em outras favelas cariocas, o crime organizado avança, ocupando e impedindo a presença do Estado. Combatê-lo é um imperativo. Ocorre que a operação, supostamente planejada previamente, se deparou com uma surpresa típica de quem a preparou de maneira ineficiente: as informações de inteligência não previram o nível de resistência e de resposta dos bandidos, expondo pessoas inocentes ao fogo cruzado de forma desnecessária. Como resumiu um especialista ao jornal O Globo, “cutucaram o vespeiro e viram que era pior do que se imaginava”.
Via que percorre 26 bairros e é vizinha de 70 favelas, a Avenida Brasil é um reconhecido terreno de perigo para os moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado, a principal via expressa da capital fluminense – pela qual poderão passar daqui a algumas semanas os chefes de Estado que participarão da cúpula do G-20 – exibe a espantosa média de um tiroteio a cada dois dias. O instituto registrou mais de 1.500 tiroteios nos últimos 8 anos, ou mais de 190 confrontos anuais – mais do que o dobro na comparação com a soma das outras duas principais vias expressas da cidade, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. A organização considera casos ocorridos no entorno de até 100 metros da via.
Ou seja, a Avenida Brasil abre ou fecha conforme a vontade do crime organizado. E essa é apenas a face violenta do domínio que a bandidagem tem exercido sobre a vida cotidiana dos cidadãos, não só no Rio de Janeiro, mas em diversas outras partes do País. As máfias, as milícias e os narcotraficantes avançam também para ganhar poder político e econômico, como este jornal vem mostrando em diversas reportagens que retratam a evidente ofensiva desses criminosos para minar os meios institucionais de detê-los. O evidente despreparo da polícia fluminense no caso da Avenida Brasil é o sintoma mais óbvio do despreparo do País para lidar com a expansão do crime organizado de um modo geral. Hoje, no Rio de Janeiro, nenhum cidadão pode sequer cochilar no ônibus a caminho do trabalho.
– O crime organizado está tomando conta, não só dos grandes centros e das prisões do país, como está estendendo os seus tentáculos pelo país afora. Segundo ouvi de várias bocas durante estes dias em Patos, entre os vereadores eleitos na cidade nas últimas eleições haveria vereadores que teriam sido eleito com forte apoio de facções, além dos já tradicionais traficantes que vêm apoiando seus candidatos nas últimas eleições. Onde estão a Polícia Federal e o Ministério Público que não realizam uma profunda investigação sobre isso? (LGLM)