Vê-se que, de fato, há um sério problema no seio do Exército quando um compromisso comezinho dos militares como esse – atuar com ética e respeitar a hierarquia – precisa ser reforçado por escrito pelo Estado-Maior, com o óbvio respaldo do comandante Tomás Paiva, entre os soldados. O chamado “pundonor militar” sempre foi ponto de honra para os membros do Exército, da ativa ou da reserva. Embora registradas em leis, normas e regulamentos, honra e ética nunca precisaram ser impostas ou lembradas – até a contaminação das Forças Armadas pelo golpismo de Jair Bolsonaro.
Dito isso, é louvável que, na prática, o documento publicado pelo general Richard sirva para relembrar aos seus companheiros de Exército, “fardados ou não”, como ele fez questão de enfatizar, que a disciplina e o respeito à hierarquia não são opcionais para os homens e mulheres de farda. Preocupado, com razão, com a desordem informacional que grassa no ambiente digital, ao qual os militares, como quaisquer cidadãos, têm acesso, o chefe do Estado-Maior ressaltou a importância de “desenvolver o pensamento crítico do militar, com base nos preceitos da ética profissional, para adequar-se ao ambiente virtual”.
A despeito da pertinência do alerta e da correção do objetivo, é forçoso dizer que o papel aceita tudo. Convém recordar que não foi por falta de leis, normas ou códigos de ética que militares indisciplinados, no melhor cenário, e sediciosos, no pior, afrontaram os valores das Forças Armadas e, no limite, o Estado Democrático de Direito. Regras, evidentemente, são fundamentais, mas viram letra morta quando aqueles que as violam, em alguns casos flagrantemente, não são punidos como deveriam.
Recorde-se, à guisa de exemplo, a leniência com que o Exército tratou a indisciplina do então general da ativa Eduardo Pazuello, hoje deputado federal. Em maio de 2021, o intendente Pazuello subiu e discursou em um palanque ao lado de Bolsonaro, no Rio, durante um ato que se prestou a uma espécie de desagravo após seu depoimento à CPI da Covid, no Senado. A óbvia violação do Regulamento Disciplinar do Exército e do Estatuto das Forças Armadas, que vedam taxativamente a presença de militares da ativa em atos de cunho político-partidário, ficou impune. O comandante do Exército na ocasião, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou o processo disciplinar aberto contra Pazuello por entender que “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar”.
O caso Pazuello é paradigmático porque exemplifica, de forma gritante, o problema que se impõe à instituição – e que não será apenas uma nova diretriz que vai resolver. A leniência com a qual a indisciplina do hoje deputado foi tratada enviou uma mensagem perigosa de que o desrespeito à hierarquia e à ética pode passar impune quando certos interesses políticos estão em jogo. O compromisso com a ética e a disciplina que se espera das Forças Armadas não deve ser mera promessa, tampouco formalidade, mas sim uma prática assegurada por punições efetivas e rigorosas contra qualquer transgressor, independentemente de seu posto ou de suas relações políticas.
A politização faz mal para as Forças Armadas. Toda iniciativa para evitá-la é bem-vinda e será apoiada por este jornal. Porém, mais do que normas e regulamentos, que ademais já existem, só a punição efetiva dos transgressores terá o condão de manter as Forças Armadas, o Exército em particular, no trilho da normalidade institucional e, principalmente, dentro dos estritos limites de atuação que a Constituição fixou para os militares no regime democrático.