(Editorial da Folha de São Paulo, neste domingo)
Desigualdade cai em ritmo mais lento desde 2011, e aumento de renda é menor; nesse ritmo, em breve poderá haver estagnação de fato
É vergonhoso que um órgão reputado como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) precise vir a público para corrigir, um dia depois de sua divulgação, os resultados de levantamento tão importante quanto a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
Segundo se soube na sexta-feira (19), um erro de projeção populacional teria levado técnicos a superestimar o peso de regiões metropolitanas de alguns Estados, com prejuízos para o cômputo nacional.
As emendas, de todo modo, não chegam a provocar revisões nas tendências apontadas na véspera –seu maior impacto é sobre a credibilidade do próprio instituto.
Refeitos os cálculos, nota-se que a desigualdade não ficou inalterada, embora o progresso seja agora mais lento do que o de anos anteriores, e que o aumento da renda foi menor do que o apontado nas tabelas equivocadas.
Num país que está entre os 20 mais iníquos do mundo e que tem uma renda média baixa, melhorias modestas já causam preocupação. Ainda pior, tal estagnação se deve em parte a erros básicos de política econômica e à incapacidade de promover mudanças institucionais, evidentes no governo da presidente Dilma Rousseff (PT).
A combinação de desigualdade e baixa renda resulta em dureza inaceitável de condições de vida para quase metade da população. A renda média domiciliar per capita dos 40% mais pobres não passava de R$ 332 por mês no ano passado. O rendimento médio do 1% mais rico equivalia a 40 vezes o dos 40% mais pobres.
Embora convenha ter em mente esse quadro geral, observe-se que houve progressos, mesmo depois de 2011, para todas as faixas da população. Além disso, mais trabalhadores passaram a ter vínculos formais de trabalho e a contribuir para a Previdência. A qualidade do emprego melhorou.
De 2004 a 2013, o rendimento médio nacional aumentou 35%. O dos 10% mais pobres, cresceu quase 73%; entre a metade mais pobre, mais de 63%. Houve, portanto, elevação do bem-estar social.
Tais avanços se refletiram no consumo de bens. Cerca de 59% das residências tinham telefone em 2001; em 2013, eram 93%. A posse de computadores passou de 13% para 49% nesse período.
A presença de eletrodomésticos se universalizou, mas a ampliação do acesso a serviços públicos é lenta. A proporção de casas ligadas à rede de esgotos, por exemplo, passou de 55% para 64%.
Quanto à renda, progressos relativamente rápidos são possíveis, em especial quando se combinam políticas sociais com mudanças que promovem a produtividade e a estabilidade econômica.
Ao menos desde 2011, todavia, vê-se uma economia de regras e ritmos instáveis. Investimento e produção declinantes afetaram o aumento do salário mínimo e de recursos públicos para programas sociais e ampliação da infraestrutura. Não houve, ademais, reformas que tornassem a tributação racional e socialmente mais justa.
Caso o país prossiga nessa toada, poderá em breve lidar com as tensões políticas derivadas de uma estagnação socioeconômica de fato.