Nos meus tempos de rua dos Dezoito (*)

By | 06/06/2015 8:55 pm

(Publicado no Patos Online)

Nasci e me criei na rua dos Dezoito do Forte. Ali vivi até os treze anos, quando fui morar na atual rua Senhor Gualberto, uma travessa entre a Peregrino de Araújo e a rua Padre Anchieta, começando na rua Pedro II. Mudei-me para uma casa a cerca de trezentos metros da casa em que nasci. Continuava no mesmo setor. Nas minhas constantes idas a Patos fico num apartamentozinho daquela rua, construído uns quatro anos atrás, no terreno de fundos da antiga casa de meu avô Pedro Paca, onde ainda mora minha tia Lourdes.

Quando comecei o curso ginasial comecei a ler muito e uma das minhas curiosidades era saber por que a rua em que nasci tinha aquele nome tão diferente. A rua do Prado todo mundo sabia que era porque ali tinha um antigo prado de cavalos. Chegaram a mudar seu nome para Coronel Antônio Pessoa, mas o povo não aprovou o nome e terminou voltando à antiga denominação, defendida tenazmente por Zé Gaioso.. A rua Espinharas (que tinha o apelido de rua do Mosquito) marcava o início do rio Espinharas, em cujas margens começava. A rua Aristides Marques, atrás da Igreja da Conceição, era a rua da Feira das Frutas, pois ali funcionava aquela feira até ser construído o atual mercado central. Do antigo homenageado há poucas informações. Hoje se chama Pedro Caetano, um dos homens ricos de Patos que morou nela quase a vida toda e foi pai de dona Elvina Caetano. A rua da Pedra tinha uma pedra grande quase no meio da rua. A Pedro Segundo homenageava ao segundo imperador brasileiro e ia da linha de ferro até o Alto Casteliano.. A Padre Anchieta (ainda hoje chamada por muitos de rua da Baixa) lembrava um dos catequizadores dos índios brasileiros e assim por diante. Por que rua do Dezoito? Nas minhas leituras descobri um episódio da História do Brasil no período do tenentismo, quando os tenentes do Exército se envolveram em vários episódios em que tentavam influir na política brasileira. A Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana.  O levante começou no dia 5 de julho de 1922 e terminou no dia seguinte. A Wikipédia assim se refere ao episódio: “”A revolta dos 18 do Forte, também conhecida como Revolta do Forte de Copacabana…foi a primeira revolta do movimento tenentista, no contexto da República nova brasileira. Segundo a tradição, foi encerrada com uma marcha heroica feita por 17 militares e 1 civil que reivindicavam o fim das oligarquias do poder, combatendo 3000 homens das forças governamentais”. Quem tiver curiosidade de aprender mais sobre o episódio, procure no Google onde há várias abordagens sobre o assunto.

Mas a rua dos Dezoito ainda hoje mora no meu coração e vez por outra me lembro de episódios da minha infância e de muitas das personalidades que ali moravam. Nunca esqueci das minhas tentativas de jogar bola no meio da rua, sempre punidas com castigos de meu pai sempre que me encontrava batendo bola. Lá em casa existia uma famosa palmatoria que quase sempre funcionava nestes casos. Quem me acudia naquele tempo era minha tinha Lourdes, irmã de minha mãe, que evitava ou amenizava as surras de que eu, Leda e Fátima éramos ameaçados por meu pai. Para ele, primeiro do que tudo no mundo era o estudo. Brincar só nas horas vagas que sobravam do horário da escola e do dever de casa. Mas valeu a pena, terminamos “dando para gente”.  Muitas vezes eu ficava na porta de casa, olhando com inveja os companheiros que jogavam bola. Outra diversão nossa, que me valeu também alguns “bolos” de palmatória, era “morcegar” os caminhões que desciam a rua dos Dezoito em demanda da rua Porfírio da Costa (cujo nome homenageia o capitão Porfírio Higino da Costa, um dos heróis patoenses na Guerra do Paraguai). Era um divertimento de menino pobre e dos mais perigosos. A sorte era que as ruas eram de terra e os carros não chegavam a desenvolver muita velocidade.

Uma lembrança indelével é a dos bodegueiros daquele tempo. Na esquina da Irineu Jóffily negociou por muitos anos Antônio Davi, pai de Bazinho, Agrimar, Ribamar, Epaminondas e Manoel Messias. Na esquina da rua do Nego na minha primeira infância o proprietário era Manoel Doca que depois vendeu a bodega para “seu” Zezé Moreira, pai de Apolônio, Maria e Terezinha. Nas quatro esquinas da Porfírio da Costa, os donos eram “seu” Sabino Viana, Manoel Perônico, Arsênio e Zé Gimba. Mas Manoel Doca era o nosso fornecedor e onde eu me deliciava com as deliciosas cascas de queijo de manteiga. Aliás, Manoel Doca era uma das personagens da minha infância. Com cerca de dois de idade eu cai por cima de uma mamadeira que se quebrara (as mamadeiras eram feitas de garrafas de gasosa ou guaraná com uma borracha comprida, ainda hoje usadas para dar remédio a animais). Quando minha mãe me viu banhado em sangue deu um grito que Manoel Doca ouviu lá da bodega. Correu para ver o que era e me apanhou do chão e me levou até o Botijinha, um bar que ficava na rua Aristides Marques e onde meu pai trabalhava. Dali meu pai me levou para o consultório de Dr. Osman que ficava na rua Ruy Barbosa logo depois de onde funcionou depois a Rádio Espinharas. Lá Dr. Osman me suturou dois cortes na barriga e fez com que ainda hoje esteja vivo.

Ainda me lembro de muitos dos moradores do meu tempo. Sei que vou cometer injustiças, mas quê fazer. Depois de quase sessenta anos a memória começa a falhar. Dos velhos talvez ninguém mais exista. Dos filhos alguns ainda moram por lá ou por perto, mas muitos estão espalhados por estes brasis afora. Vai aí uma lista daqueles de quem me lembro. Manoel Xavier era pai de Orlando Xavier, Iolanda, Dão e Marcos. Otoni Medeiros e dona Joaninha vieram morar depois na casa de Manoel Xavier. São os pais de Vavá e Dinha). Dona Altina, mãe de Lidinha (que parece morar na mesma casa), fabricava uma cocada de coco e rapadura que jamais encontrei melhor.  Dona Severina Barreto, igrejeira que só, era mãe de Vigolvino, vereador patoense em mais de um mandato, e de Celso. Seu Bata, pai de Mara Rúbia e Eulina (amiga de Leda minha irmã), era funcionário do DER. Pedro Henrique tinha uma fábrica de doces na esquina do Dezoito com a Peregrino de Araújo. Antônio Davi (Munacha) era pai de Agrimar, Bazinho, Ribamar e Messias. Ribamar foi meu aluno no Estadual e foi assassinado por outro garoto ali na rua do Nego. Pedro Leitão e dona Luzia foram pais da maior família da rua dos Dezoito: Pedrinho, Ney e Marxedes e uma prole que dava um time de futebol com vários reservas. Seu Nezinho era marceneiro e marido de Mãe Marina, parteira que “pegou” todo mundo lá em casa e muita gente que nasceu naquela rua e adjacências. José Jerônimo pai de Ricardina e Inalda as duas de idade próxima à minha. Eu e Ricardina estudávamos no Coriolano de Medeiros e íamos juntos para a escola já que eu era muito pequeno e ela, um pouco maior, tomava conta de mim. O pai dela mais conhecido como Zé Jeroime fazia gibão e chapéu de couro para o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, que sempre o visitava quando vinha a Patos. Joaquim Leôncio e dona Ritinha eram pais de Nelcides (zagueirão do Esporte) e Cidinho. Seu Joaquim era marchante. Joaquim Dedé e dona Nita eram pais de Tião, meu colega no Banco do Brasil. Augusto e dona Biu, pais de Pedrinho, Terezinha e Galega. Dona Jael (mãe de Jairo), Dona Izaura (mãe de Marlene César), Maria Nicácio (mãe de Miriam, minha madrinha de apresentar), Joca Germano (pai de Iatiara, a moça mais bonita da rua), Apolônio Gonçalves e Nina (pais de Daguia que depois casou com Libaldo Medeiros, meu colega de banco), Elias Leandro (pai de Nina, esposa de Apolônio Gonçalves e do futuro contador Oscar Leandro). O alemão Afonso Kerhle e dona Eunice (pais de Toinho, Zé, Lula, Ceiça e Dra. Vilani). Seu Francisco (fazia conserto de lonas de caminhão) e Maria Preta (pais de Trial, Conceição, Mariano, Chicola, Tininho e Lúcia), Seu João Marques (nosso vizinho do lado direito) pai de João e Nita, Zé Brandão (nosso vizinho do lado esquerdo) e dona Bilinha, pais de Cristina e Maria Cesar, amigas queridas que nos viram nascer e a quem ajudei a enterrar já bem velhinhas. Manoel Cabral, Basto Duda (pais do juiz Osvaldo Duda e de Socorro, colega minha de rádio e que casou com o grande Severino Quirino. Basto Duda tinha um “juju”, pequeno carrocel de cadeirinhas, que ele fazia funcionar durante as festas, e onde os meninos vizinhos fazíamos as primeiras corridas para chamar a atenção dos outros garotos. Chico Daniel e Dona Maria, pais de Terezinha, Zélia, Nena, Estácio e Nego Passo. Seu Chico era barbeiro, no Sobrado Velho, onde fica hoje o Santander. Dona Maria Ramos, mãe de Ciro, Chiquinho, Severino e Ceci que veio a casar com o ex-vereador Joaquim Leitão.  Antônio Justino e dona Duzinha, pais de Severino Caiqueiro e Joquinha. Seu Antonio era um dos companheiros de caçadas de meu pai. Manoel Bernardino, pai de Eunice e Terezinha, residentes na esquina do Dezoito com a rua do Nego. Seu Manoel tinha uma bodega na beira da linha de ferro, próximo à Boate de Elpídio. E muitos outros cujos nomes sessenta anos passados me empanam a memória. Peço perdão aos que esqueci. Dos velhos e dos novos. Mas a idade não ajudou. E era tanta gente que se a gente fosse pesquisar e relacionar todos seria um nunca acabar.

Ai que saudades daqueles velhos tempos! (LGLM)

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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