Moro não deve se precipitar

By | 21/03/2016 9:22 am

Vejamos este artigo onde Hélio Gurovitz faz uma análise muito importante sobre o momento que vivemos.

(Hélio Gurovitz, na Folha)

A liminar do ministro Gilmar Mendes que suspendeu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil coloca o juiz Sérgio Moro diante de um dilema. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgá-la apenas na semana que vem, depois do dia 30. Até lá, a posse de Lula fica em suspenso, e seu caso ainda está nas mãos de Moro. Como ele deve agir?
Existem elementos que justificariam a prisão preventiva de Lula, evidentes nas gravações, autorizadas por Moro, trazidas a público na semana passada:
1) Lula discute com vários interlocutores, entre eles o ministro Jaques Wagner e o ex-ministro Paulo Vannuchi, uma manobra para desacreditar um promotor de Rondônia que movera um processo contra ele;
2) Lula tenta influenciar na decisão da ministra do STF Rosa Weber a respeito da denúncia do Ministério Público de São Paulo relativa à ocultação da propriedade de um apartamento no Guarujá atribuído a ele;
3) Lula pede ao ministro Nelson Barbosa que intervenha na Receita Federal, que emitira, a pedido dos procuradores da Operação Lava Jato, um laudo desfavorável sobre seu patrimônio;
4) Lula pede ao advogado Sigmaringa Seixas que tente interferir nas decisões do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que considera ter com o PT uma dívida de gratidão;
5) Lula mobiliza esforços também com vários interlocutores, entre eles o deputado petista Wadih Damous, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ministro Wagner, para desacreditar o trabalho do Ministério Público e da Justiça Federal;
6) Lula discute, também com vários interlocutores, entre eles o ministro Edinho Silva, a lealdade do último ministro da Justiça, Wellington Lima e Silva, e do atual, Eugênio Aragão, a quem está subordinada a Polícia Federal;
7) O advogado Roberto Teixeira, o ex-ministro Luiz Marinho e o próprio Lula demonstram especial interesse em saber os passos da PF na operação montada contra ele – e são avisados dela com antededência;
8) É explícita nas conversas com o cientista político Alberto Almeida, com o ministro Wagner, com o presidente do PT, Rui Falcão, e com a própria presidente Dilma Rousseff, a intenção de nomear Lula ministro para blindá-lo às investigações.
Todos esses fatos poderiam ser usados pelos procuradores para montar um caso sólido contra Lula por tentativa de obstrução de Justiça. Tal acusação embasou a prisão preventiva de vários outros acusados da Lava Jato, como o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa ou o empreiteiro Marcelo Odebrecht. A dúvida é: Moro deve mandar prender Lula agora, já que o caso voltou para ele?
A resposta é não. Moro não deve se precipitar, ainda que as provas contra Lula sejam abundantes. O motivo para isso não é jurídico, mas político. Trata-se de uma distinção fundamental a fazer em todos os passos tomados na direção de Lula pela Lava Jato. Embora um juiz deva pautar-se pela lei e nenhuma de suas decisões deva prescindir de uma base jurídica sólida, é um erro deixar de levar em conta os fatores políticos num caso que envolve alguns dos nomes mais poderosos da República.
Moro já cometeu esse erro, quando ordenou que Lula depusesse sob coerção se necessário. Vários juristas contestaram a decisão, afirmando que Lula deveria ter sido primeiro intimado a depôr voluntariamente. Mas o principal problema da decisão não era jurídico, uma vez que já houvera outros 116 mandados de condução coercitiva na Lava Jato, e nenhum deles fora contestado. O problema foram as consequências políticas.
Ainda que revestida de todos os cuidados, sob o argumento que a coerção era justificada para proteger o próprio Lula e evitar tumultos, a decisão teve o efeito oposto do desejado. Inflamou a reação petista, gerou conflito nas ruas e, como consequência, levou à nomeação de Lula para o ministério da Casa Civil – fato que dificilmente ocorreria se ele tivesse sido preso preventivamente ou apenas intimado a prestar depoimento.
Moro está sob pressão por ter levantado na última quarta-feira – horas antes de Lula ser nomeado ministro e de o processo ter de subir para o STF – o sigilo que recobria as gravações das conversas envolvendo Lula no âmbito da Lava Jato. Há um questionamento legítimo sobre a legalidade dessa decisão, uma vez que as escutas envolvem figuras que desfrutam foro privilegiado nos tribunais superiores, como os ministros Wagner, Barbosa e Edinho, o prefeito Paes e a própria presidente Dilma.
O argumento de Moro para levantar o sigilo se desdobra em duas partes: 1) os alvos das escutas eram Lula e os demais investigados no processo; 2) nada havia nelas que incriminasse as autoridades e justificasse, portanto, o envio às cortes superiores para que determinassem a necessidade de abertura de investigação.
A primeira parte do argumento de Moro é incontestável. Mas a segunda está longe de estar clara. Se a conversa de Lula com Dilma e Barbosa configura obstrução de Justiça, tal fato não deveria ter sido informado ao STF antes da abertura do sigilo? Que dizer do ministro Jaques Wagner, cuja deferência e mobilização em nome dos interesses de Lula é flagrante nas escutas? Elas não justificam abertura de inquérito contra ele? Apenas o STF pode decidir a respeito dessas dúvidas e determinar se Moro cometeu alguma ilegalidade ao suspender o sigilo sobre todo o material recolhido nos grampos.
É verdade que, ao contrário da condução coercitiva de Lula, tal decisão foi politicamente brilhante. Ela esvaziou qualquer tentativa de transformar a nomeação de Lula para a Casa Civil em algo mais do ela é de fato – uma tentativa de protegê-lo. Mas a decisão de Moro não está à prova de contestação jurídica. Ao contrário. Por isso mesmo, o maior erro que Moro poderia cometer agora seria decretar, de modo açodado, a prisão de Lula, mesmo que ela esteja juridicamente justificada.
Basta analisar o cronograma das ações previstas para os próximos dias para entender por quê. É esperada para o próximo dia 29 a ruptura oficial do PMDB com o governo, embora os petistas tentem fazer de tudo nos próximos dias para evitar isso. Está marcada para o dia seguinte, dia 30, a primeira sessão do STF depois dos feriados da Semana Santa. É provável que a liminar de Gilmar seja votada logo, talvez no próprio dia 30. A votação poderá se estender por mais de um dia.
Já na segunda-feira seguinte, dia 4, deverá se esgotar o prazo para a advocacia-geral da União apresentar a defesa da presidente Dilma no processo de impeachment que corre no Congresso Nacional – caso haja sessões da Câmara em todos os dias úteis até lá, como pretende o presidente da Casa, Eduardo Cunha. Como esse prazo pode se dilatar se não houver alguma sessão, o mais provável é que a defesa seja apresentada já conhecendo a decisão do STF a respeito de Lula.
Diante das afirmações de Lula sobre o STF – “temos um Supremo acovardado” –, embora ele tenha tentado consertar o estrago com uma carta pública, fica difícil acreditar que o plenário do STF o manterá na Casa Civil. É o que dão a entender a liminar de Gilmar, o pronunciamento do ministro Celso de Mello feito após a divulgação das escutas e declarações do próprio presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.
Até lá, os petistas estarão divididos. Será preciso defender Lula no STF e Dilma na Câmara – ambas as defesas estarão a cargo do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. A maior dificuldade da primeira é jurídica, diante de todas as evidências nas gravações. A maior dificuldade da segunda é política, dados o desembarque iminente do PMDB e o esfarelamento da base de apoio a Dilma no Congresso.
Se Lula for preso nos próximos dias, isso atenderia aos anseios das massas, mas alimentaria as acusações de arbítrio e o discurso clássico de vitimização que sempre move a mente petista. O risco seria uma convulsão social maior, com uma pressão para o STF votar contra a liminar de Gilmar, de modo a manter o foro privilegiado. Nesse caso, o processo voltaria ao Supremo, e a prisão de Lula seria contestada imediatamente.
Paralelamente, o processo de impeachment já estará em outro estágio. A Comissão Especial tem, depois da defesa de Dilma, cinco sessões para apresentar seu parecer. Ele deverá ser julgado em plenário em até 48 horas depois disso. A previsão é que isso ocorra depois do dia 15 de abril, mas antes do final do mês. O governo fará de tudo para atrair os 171 votos que precisa para barrar o impeachment no plenário, pois, sem o PMDB, é provável que o Senado acabe aceitando a denúncia da Câmara, e Dilma seja obrigada a se afastar do cargo.
Para Moro, o risco de manter Lula solto nos próximos dias é ele ir parar no ministério. Mas isso é improvável. É por isso que não deve haver precipitação. Uma vez decidido o destino de Lula pelo STF, Moro terá mais liberdade para agir. Se houver elementos jurídicos que justifiquem a prisão, será esse o momento político adequado, independentemente do andamento do impeachment. Os dois processos precisam correr de modo autônomo. O preço para tirar Dilma do poder não pode ser manter Lula fora da cadeia.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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