(Veja comentário no final)
A articulação de bastidores para tentar anistiar os políticos envolvidos na Lava Jato teve a participação de líderes e integrantes dos principais partidos da Câmara dos Deputados, mas acabou barrada principalmente pela resistência da Rede e do PSOL.
As duas siglas de esquerda têm apenas 10 deputados, menos de 2% da Câmara, peso que simboliza a sui generis sessão realizada na noite desta segunda-feira (19).
Apesar de gestar sigilosamente e tentar votar de surpresa um projeto que dava um “salvo conduto” a políticos na mira da Lava Jato –cujo texto não foi tornado público–, os principais partidos não foram aos microfones do plenário defender a medida.
“O projeto foi colocado em votação a pedido dos líderes partidários. Não sou eu quem faz a pauta de votações, eu sou o primeiro-secretário, estava substituindo o Rodrigo Maia [DEM-RJ], que estava interinamente na presidência da República. Quando percebi que aquilo que os líderes queriam não era o que a base dos deputados queria, retirei de votação”, afirmou à Folha o deputado Beto Mansur (PRB-SP), que presidiu a sessão da noite desta segunda.
Questionado de forma insistente pelo PSOL e pela Rede, ele não quis dizer durante a sessão quem eram os defensores da anistia, afirmando apenas que a votação obedecia ao regimento da Casa.
“O projeto foi defendido por vários líderes, do PT, do PSDB, de partidos do ‘centrão’, vários. Não posso nominar um a um porque eu seria leviano, mas todos os líderes sabiam do projeto”, acrescentou Mansur.
O deputado do PRB diz ainda que não sabia o que era o projeto, não teve acesso ao texto e que, ao ver que os líderes partidários não se manifestavam na sessão e não rebatiam as falas do PSOL e da Rede, resolveu desistir da votação.
“Olhei pro plenário, não vi os líderes que defendiam o projeto então falei: ‘Vou tirar essa merda de pauta porque não vou ser eu a me desgastar com uma coisa que eu não tenho nada a ver’.”
A articulação para a gestação e votação do projeto contou com a participação do PSDB, PP, PMDB, PR e PT, entre outras legendas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que nesta segunda estava no Palácio do Planalto como presidente da República interino, também participou das conversas e deu aval para a tentativa de “votação surpresa”.
Em linhas gerais, a ideia de boa parte da “elite” da Câmara era aproveitar a proximidade das eleições municipais, quando o foco do noticiário se distancia do Congresso, para ressuscitar um projeto eleitoral estacionado desde 2007 e emendá-lo de última hora, nesta segunda, com a proposta de uma punição específica e direta para o crime de caixa dois eleitoral, que é o uso de dinheiro nas campanhas sem declaração à Justiça.
O texto dessa emenda circulou apenas entre poucas pessoas, entre elas o ex-líder do PSDB Carlos Sampaio (SP) e o líder da bancada do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB). O PP é o partido com mais números de congressistas suspeitos de participação no esquema de corrupção da Petrobras.
“Foi uma situação engraçada. Todo mundo envolvido, mas só havia o silêncio, ninguém se apresentava para defender a ideia”, disse nesta terça-feira (20) Ivan Valente (PSOL-SP), um dos que se insurgiram contra a manobra durante a sessão.
Ele, Miro Teixeira (Rede-RJ) e Alessandro Molon (Rede-RJ) foram os responsáveis por protestar no plenário e forçar Mansur a cancelar a votação. Quando já havia ficado claro que o presidente da sessão retiraria o projeto da pauta, outros deputados aderiram ao coro contra a medida, como o líder do PSD, Rogério Rosso (DF).
“Essa estratégia foi traçada por líderes partidários, contando com a ausência de deputados. Foi feita uma trama bastante complexa com a participação de bastante pessoas”, discursou nesta terça-feira (20) o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), também contrário à medida.
A Folha apurou que o acerto envolvia inclusive a promessa de que o Senado votasse a proposta nesta terça-feira.
Um dos principais temores dos deputados diz respeito à lista divulgada em março com o nome de mais de 200 políticos que teriam recebido recursos da Odebrecht. A empreiteira negocia acordo de delação premiada com a força tarefa da Lava Jato.
(Folha de São Paulo)
Comentário do programa – Com pelo menos duzentos deputados com o “rabo preso” por conta de recebimento de propinas investigadas pela Lava-Jato, os deputados federais queriam aprovar uma lei que os anistiassem do chamado “caixa dois” que praticavam até agora, enquanto criavam uma punição para quem fizesse “caixa dois” a partir de agora. Tentaram aprovar a lei sem que ninguém percebesse, mas foram flagrados por deputados de partidos nanicos que denunciaram a manobra e impediram que o projeto fosse aprovado. (LGLM)