Mas, afinal, pra quê e por que salvar uma floresta? (Em defesa do Pico do Jabre)

By | 27/09/2016 10:46 am

Por Fátima Araújo

(Artigo publicado no Mais Patos)

Haveria em nós algum romantismo nesta ação? Adianto-lhes que não, mas há principalmente conhecimento científico e este conhecimento tentando tornar a ciência engajada na própria sobrevivência da terra com seus milhões de seres vivos, entre estes, nossa própria espécie.

Em meio às muitas postagens sobre o incêndio no Parque Estadual do Pico do Jabre, que li silenciosamente cada uma, é possível que alguns possam estar fazendo esta pergunta em caráter ingênuo ou, quem sabe, até mesmo crítico diante do esforço de outros poucos cidadãos dedicados junto aos bombeiros na luta para combater as velozes e vorazes chamas.

A postura do possível estranhamento por parte de alguns com a luta de ambientalistas e biólogos espalhados  mundo afora e também aqui em Patos, Matureia e Teixeira ou em outras regiões do Brasil, é reflexo de uma amarga e cruel CULTURA DA DESTRUIÇÃO, onde se acredita que o SER HUMANO não faz parte do mundo natural ou natureza. Uma cultura que ensinou e ensina há séculos o quase dogma estabelecido na sociedade que a natureza está ali e nós, seres humanos, estamos aqui do outro lado, na cidade, no shopping, na praça, nos prédios, nas escolas… Não conseguem entender nem mesmo sentir a interdependência entre plantas, aves, fungos, insetos, bactérias, solo e demais animais nesse sistema chamado vida e menos ainda a ligação destes seres com a nossa vida.

Pura e Cruel IGNORÂNCIA!  Esta falta de conhecimento perpetua num montante considerável da população, incluindo até mesmo as novas gerações. Afirmo isto, alicerçada em uma pesquisa recente realizada por alguns dos meus alunos em uma importante escola da cidade de Patos sobre a noção da inserção do ser humano na natureza. PASMEM! Pois 75,81% dos entrevistados, alunos do ensino médio, responderam que não se veem como parte do meio ambiente, apesar da gama extraordinária de conhecimentos gerados até este século atual. É algo muito assustador e preocupante, especialmente por se tratarem de jovens que assumirão em curto ou médio espaço de tempo cargos em suas diversas profissões; com esta visão de mundo eles estarão a formar, a se comportar e a agir acreditando não fazer parte do tal meio ambiente. Se forem assumir o magistério ou algum cargo político certamente o panorama futuro será ainda mais assustador, concordam?

Precisamos compreender que somos com todos esses seres, um grande tecido a formar os órgãos planetários; é preciso reeducar visceralmente para apreendermos de fato o paradigma da sustentabilidade, pois em muitos exemplos vejo que ele ainda é abstrato para as pessoas. É preciso desconstruir a cultura da destruição irresponsável, a começar dentro das nossas casas e instituições, do contrário, continuaremos estéreis em nossas ações e as falácias brilharão em detrimento das reais mudanças que almejamos.

Você acredita que sua qualidade de vida não sofrerá impacto algum com o incêndio no Pico do Jabre ou nas florestas do Parque do Xingu, por exemplo, que há dias também ardem em chamas com perdas incalculáveis para a biodiversidade local e mundial?  Caro leitor, é possível que seu mundinho com sua rotina, poderão até, inicialmente, permanecer os mesmos, mas garanto-lhe junto com a ciência, que a curto, médio e longo prazo você e as cidades inteiras começarão a sentir significativas mudanças aqui na região.  Do aumento do calor na atmosfera – já nada confortável – até as implicações na produção de alimentos com as alterações climáticas que só ajudamos a piorar.

O Estado da Paraíba apresenta cerca de 90% de suas terras sujeitas ao processo de desertificação.  Plantamos cada vez menos árvores; recuperamos cada vez menos áreas degradadas e estagnamos na criação de mais unidades de Conservação, especialmente no bioma Caatinga. Ter uma floresta como a existente no PICO DO JABRE não é privilégio apenas de beleza cênica não; mantê-la funcionando com seus processos ecológicos e dar sustentação a uma fauna e flora singulares que lá habita, é cuidar de nós mesmos nessa interdependência mútua que muitos já não conseguem mais entender,  nem fazer sentido.

As florestas sejam elas de caatinga, atlântica ou amazônica prestam bens e serviços inigualáveis para nossa sustentação todos os dias como civilização.  E lembro a você que lê este texto, que HÁ SÉCULOS TEMOS NOS COMPORTADO COMO LADRÕES DA NATUREZA, para nosso conforto diário; e, ladrões cruéis deixando sequelas muitas vezes irreparáveis na vítima,  a natureza. Somos ladrões tão estúpidos que não enxergamos ou não queremos enxergar (neste caso ocorre o que chamo de sadismo ambiental) os prejuízos em nós mesmos, nos sistemas de convivência nas cidades ou nas áreas rurais também fortemente perturbadas.

A revista The Economist, em uma de suas edições especiais sobre as florestas no mundo informa e alerta que: Além da regulação do clima e do abrigo para mais da metade das espécies de mamíferos, aves e insetos, lembra que as florestas são o ganha-pão parcial ou integral de 400 milhões das pessoas mais pobres do mundo. É muito interessante essa relação entre a base da pirâmide socioeconômica e os serviços florestais.”

Mas, afinal, pra que serve mesmo salvar uma floresta? Respondo a esta indagação inicial, devolvendo a vocês outras igualmente importantes. Teria algo a ver com a água que bebo ou com o remédio que tomo ou a casa que construo, ou com a feira que faço semanalmente? Teria alguma relação com a roupa que visto e o hidratante, batom, creme dental ou cosmético que uso? Será que as florestas  tem a ver com a biotecnologia e a farmacologia? Será que teria alguma conexão e dependência com a produção maior ou menor de chuvas? Será que vai chover menos depois do incêndio no Pico do Jabre? Ai Meus Deus! Haja mais calor e doenças! Será que destruímos vidas? Que nada cara, foram apenas alguns macacos, roedores, beija flores ou borboletas que não serviam de nada nem a ninguém.

Será que a natureza estaria me servindo na joia que uso, no balcão de granito da minha cozinha, com a vacina processada pela medicina a prevenir doenças? Será que aquele sapo, flor, madeira, macaco, escorpião, aranha, planta, e passarinho teriam haver com algum desses serviços que elenquei acima? E as serpentes? Melhor é matar  tudinho mesmo e este incêndio chegou em boa hora pra prestar esse serviço, afinal,  estes seres terríveis não servem pra nada, somente pra assustar a gente não é mesmo?  ERRADO! Servem pra salvar vidas com os venenos que elas contêm.  Conversa Fátima! Quem disse isso? Isso é lenda! E os fungos na produção de antibióticos? E aquela casca daquela madeira para a produção de um fármaco para combater células cancerígenas? E a produção de frutos através dos maiores polinizadores das flores, as abelhas? O quê? ABELHAS SERVEM PRA ALGUMA COISA? Abelhas e flores têm a ver com a minha alimentação? Estás a brincar não é Fatima? Nossa! Não sabia. Será que tinha colmeias de abelhas nativas no Pico do Jabre? E a produção de um ar mais puro para eu, você nossas crianças  e idosos respirarmos com mais saúde?

E as águas das barragens e dos açudes provem de onde mesmo? E as nascentes existentes dentro das florestas? Hum…, complicou! Estou pensando melhor e parece que esta tal natureza parece ter muita utilidade e irmandade com as nossas vidas humanoides…

Prezados leitores, não somos cegos científicos a ponto de não aceitar ou propor o desenvolvimento de forma responsável e sustentável das cidades e das nações, pois a própria ciência já provou essa possibilidade, no entanto, nossa ganância é maior e mais alarmante. E esta cultura avassaladora de destruir por destruir tem na raiz, a forma como formos educados.  Mudar este paradigma destruidor será possível também pela educação. Há ciência pra tudo, inclusive em tecnologias para combates rigorosos a incêndios, mas nada dessa tecnologia torna-se tão eficiente se não mudarmos nossa postura de ver e entender o mundo, de nos reeducarmos, de ter que agir politicamente diferente, de pensar diferente. Prevenir incêndios é melhor que combater as chamas a se alastrar velozmente. Prevenir vem com EDUCAÇÃO! Neste caso, EDUCAÇÃO AMBIENTAL.  E o homem que vive nas florestas ou próximo delas com suas famílias e suas culturas,  como sobrevivem após os incêndios?

Este texto não é somente uma crítica contundente para todos nós, mas uma vontade e desejo de renascimento ou nascimento de um novo PENSAR nas nossas instituições e conduta como humanos, como profissionais,  empresários  e gestores da vida pública onde habitamos. Precisamos criar a cultura do respeito de preservação e vejo a educação como a mais valiosa e eficaz ferramenta e estratégia de mudanças para melhoria da nossa qualidade de vida, pois a ignorância tem nos aprisionado na forte caverna da escravidão e escuridão como civilização, seja em Patos, Matureia, Teixeira ou em qualquer outro lugar deste planeta.

Preocupar-se em salvar o que ainda resta de nossas florestas, como a existente no expressivo  e importante maciço rochoso que forma a imponente Serra do Teixeira,  e parte dela conhecida como O PICO DO JABRE é SALVAR UMA PARCELA IMPORTANTE DO PATRIMÔNIO BIOLÓGICO E GENÉTICO lá existente e que está a nos servir todos os dias. É salvar a manutenção desses importantes serviços ambientais com implicações sociais, econômicas e culturais. EDUCAR É PRECISO!

*Professora Fátima Araújo do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Campina Grande

Patos, 27 de setembro de 2016.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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