O porco venceu o preconceito no país da feijoada (com comentário nosso)

By | 30/06/2019 9:04 am

(Marcos Nogueira, jornalista profissional e cozinheiro amador, colunista na Folha)

Porco = malfeito, imundo, mau-caráter, obsceno. Está assim nos dicionários.

Muitos anos atrás, eu apurava uma reportagem sobre o porco (o animal) para uma revista de interesse geral. O texto abordava a inteligência do Sus scrofa e sua relação com a espécie humana –o que inclui, é lógico, nossa tara por bistecas, linguiças, costelinhas, presuntos e bacon.

Um dos entrevistados era representante de uma associação de criadores. O indivíduo passou a conversa toda tentando me convencer a não usar a palavra “porco” na revista. A denominação “suíno” era mais palatável, argumentava o fazendeiro.

Não atendi ao apelo do cidadão. Por acaso alguém come coxinha de galináceo? Ou faz aquele belo molho de solanácea com bovino triturado para acompanhar o macarrão?

O preconceito contra o porco é tão grande que se entranha mesmo naqueles que vivem de criar porcos.

Por isso, a inclusão da Casa do Porco em uma lista de 50 melhores restaurantes do mundo tem importância histórica.

Listas são como certas partes da anatomia humana –cada um tem a sua–, mas a “50 Best Restaurants” se destaca pela gigantesca repercussão no meio gastronômico e além dele.

Se já era difícil conseguir uma mesa na Casa do Porco, agora será impossível. O mundo ficou sabendo das peripécias porcinas de Jefferson e Janaína Rueda.

O que eles fizeram é monumental. Meteram o porco no nome do restaurante, desafiando a sensatez comercial. Atraíram multidões ao emporcalhado (ops!) centro de São Paulo com ceviche de porco, sushi de porco, tartar de porco.

A casa dos Rueda é, salvo engano, o primeiro restaurante especializado em carne de porco a figurar na lista dos topzeras internacionais. Não é uma proeza?

A repulsa ao porco não é exclusividade brasileira. O judaísmo e o islamismo privam os fiéis de delícias como o torresmo e a mortadela. O ocidente cristão situa o porco em algum ponto entre o êxtase e a impureza. Bem compreensível.

O caso brasileiro é bastante peculiar. A feijoada, prato de exportação e símbolo da cultura brasuca, leva quase tudo do porco. Couro, lombo, pé, orelha, rabo, focinho, toucinho, paio, linguiça. Um chiqueiro borbulhante que harmoniza com batida de limão.

Ainda assim, tentamos esquecer que a calabresa um dia foi porco. A condição suína do suíno é mascarada pelo mercado para não melindrar o consumidor.

Isso, afortunadamente, está mudando no Brasil e no mundo. A palavra “porco” já tem aparecido desavergonhada em embalagens. Já há quem ouse comer carne de porco malpassada –algo inimaginável há pouco tempo. Até  Palmeiras incorporou o apelido pejorativo que os rivais lhe impingiram.

Na terra da feijoada, o porco construiu a sua casa. E ela não é de palha.

Comentário do programa – Eu adoro carne de porco. Esta semana eu a comi em Patos, Sousa e Cajazeiras, sempre assada, mas não a enjeito se vier cozida. Em casa, toda semana tem um prato: lombo, costela, bisteca, pernil. Para mim é a mais gostosa. Sem falar na feijoada que vai bem em qualquer dia. Para quem tem preconceito contra a carne de porco, saiba que não Europa ela é servida até nos hospitais. Meu amigo Lacordaire, depois de receber um marca-passo, foi aconselhado pelo médico a dar preferência à carne de porco e a utilizar banha de porco quando você fritar ovos. O preconceito contra a carne de porco tem um pouco de religioso (a Bíblia já tinha o porco como animal imundo), e muito da lembrança de como se criava porco, sempre nos lamaçais, onde o porco buscava se refrescar, mas o vulgo só via a sujeira da lama. Os porcos de hoje, cuja carne é vendida nos bons estabelecimentos, são criados em pocilgas, mais limpas do que as casas de muita gente. Onde eles tomam banho em água mais limpa do que a de muitos açudes de que bebemos. (LGLM)

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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