Pioneira no atendimento da Covid-19 no Brasil, médica revela como se tratou da doença

By | 29/05/2020 3:50 pm
Pneumologista da Fiocruz, Margareth Dalcolmo destaca que não usou cloroquina e alerta para outros riscos nem sempre lembrados
A pneumologista e médica da Fiocruz Margareth Dalcolmo diz ter contraído a Covid-19 em casa: 'Começou com uma sensação de mal-estar e um gosto desagradável na boca. Depois, dor na nuca e um profundo cansaço.  Fui dormir cedo, quando acordei, não tinha olfato nem paladar' Foto: Márcio Alves/17-10-17 / Agência O Globo
A pneumologista e médica da Fiocruz Margareth Dalcolmo diz ter contraído a Covid-19 em casa: ‘Começou com uma sensação de mal-estar e um gosto desagradável na boca. Depois, dor na nuca e um profundo cansaço.  Fui dormir cedo, quando acordei, não tinha olfato nem paladar’ Foto: Márcio Alves/17-10-17 / Agência O Globo

A médica, uma das primeiras a tratar de pacientes com Covid-19 no Brasil, contraiu a doença há pouco mais de duas semanas e se recupera. Não precisou ser internada, mas sofreu com o que considera a pior sensação trazida pelo coronavírus, o medo.

Ao GLOBO, ela conta como se tratou e se recupera da Covid-19 e renova o alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina.

“Claro que não tomei, jamais tomaria ou receitaria para qualquer paciente. Seria uma irresponsabilidade”, destaca ela, uma das autoras da nota da comunidade científica, que repudiou com dados o protocolo do Ministério da Saúde que deu sinal verde para o uso dessas drogas contra a Covid-19.

Como a senhora contraiu o coronavírus?

Contraí em casa. Trato de dezenas de pacientes no meu consultório e no laboratório da Fiocruz. Mas tenho certeza de que não fui contaminada por eles, usei os EPIs necessários. Tive o que precisava para me proteger, o que muitos profissionais de saúde, tragicamente, não têm. Mas, em casa, por mais cuidado que se tome, é mais difícil porque é impossível passar 24 horas por dia em alerta total. Por mais que você saia muito menos, higienize tudo o que vem da rua, cuide da limpeza do prédio onde mora, ainda assim, o vírus pode chegar e esse é um alerta importante, que quero destacar.

A senhora é uma das pneumologistas mais experientes do país e trata da Covid-19 desde os primeiros casos. Como foi diagnosticar a si mesma?

É assustador, por mais experiência que se tenha. Nós, médicos, não gostamos de expor nossos temores. Mas vou ser honesta e dizer que a pior sensação que sentimos é o medo. Tenho medo da Covid-19. A doença parece não melhorar à medida que o tempo passa. Não durmo direito esperando a falta de ar. Tive apenas uma leve. Mas a possibilidade de sentir falta de ar assombra, sabemos quando chega a fase inflamatória. É um oceano a cruzar. O coronavírus faz com que a gente se sinta vulnerável porque ele é imprevisível.

Como descobriu que estava doente?

Adoeci há duas semanas. Começou com uma sensação de mal-estar e um gosto desagradável na boca. Depois, dor na nuca e um profundo cansaço.  Fui dormir cedo, coisa impensável na minha rotina, atendo pacientes até tarde. Quando acordei, não tinha olfato nem paladar. Concluí que estava doente.

E o que fez?

Como sou médica, requisitei o exame, que confirmou o coronavírus. Tenho 62 anos, faço 63 no mês que vem. Mas sempre tive saúde excelente, nunca fumei. A idade é o meu único fator de risco. O meu caso é de gravidade moderada.  Já passei do 14º dia de isolamento e estou à espera do resultado do exame de sorologia, para saber se tenho anticorpos.

E como está se tratando?

Nos últimos dois meses, aprendemos muito sobre a Covid-19. Temos uma visão mais clara sobre a doença. Tomei medicamentos anticoagulantes porque hoje sabemos que a Covid-19 tem um componente de trombose importante. Monitoro o oxigênio. Desenvolvi uma pneumonia leve, com 25% de comprometimento do pulmão. Uma tomografia mostrou o padrão de “vidro fosco”, característico da Covid-19. Mas, como meu pulmão sempre foi íntegro, saudável, não me causou maior preocupação.

Além dos anticoagulantes, o que tomou?

Remédios comuns para a febre e as dores. Mas faço questão de dizer o que não tomei. Não usei e jamais tomaria ou receitaria cloroquina e hidroxicloroquina, porque não existe qualquer evidência científica de que funcionem.

Quão grave é a aprovação do protocolo do Ministério da Saúde que dá sinal verde para o  uso generalizado dessas drogas contra a Covid-19?

É muito sério, terrível o que o ministério fez, porque essas drogas podem causar efeitos colaterais severos, principalmente arritmias. Eu jamais receitaria essas drogas para qualquer paciente de Covid-19, não importa se caso leve, moderado ou grave.

Por que essas drogas se tornaram panaceias?

Porque houve uso político, sem qualquer base na ciência, em fatos. A cloroquina e a hidroxicloroquina, num primeiro momento, foram fármacos da esperança porque não havia nada e não se sabia que ainda poderiam causar problemas. Era compreensível que se fizessem ensaios clínicos (testes com pacientes) para saber se poderiam de fato ajudar e ter ação antiviral. Mas os estudos que seguiram normas e ética até agora não mostraram qualquer efeito benéfico e é muito grave receitar um remédio baseado apenas em crenças e convicções pessoais.

Digo o mesmo sobre os vermífugos que muitos médicos andam receitando por aí. São ainda menos estudados, uma aventura terapêutica à custa dos doentes.

Como a senhora vê a situação hoje?

Na semana passada, a comunidade científica apresentou uma nota, da qual sou uma das autoras, que detalha tudo o que se sabe e os estudos feitos sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina. A nota condena o protocolo do Ministério da Saúde, uma medida irresponsável. O uso generalizado vai impedir pesquisas sérias. Hoje, vejo a dupla cloroquina/hidroxicloroquina como uma quimera da decepção.

A senhora já está recuperada?

Ainda não. Sinto dormência nos dedos das mãos, devido à neuropatia viral nos dedos.  Hoje já se sabe que o coronavírus atravessa a barreira hematoencefálica e chega ao cérebro. É perigoso.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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