Bolsonaro não tem intenção de desanuviar relações com o Judiciário

By | 17/08/2021 9:34 am

Em busca de conflito

A ameaça de Jair Bolsonaro de impeachment contra ministros do STF revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar suas relações com o Judiciário

Editorial do Estadão, em 17/08/2021)

O presidente Jair Bolsonaro informou que pretende ingressar no Senado com pedido de impeachment dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro argumenta que, “de há muito”, os dois magistrados “extrapolam com atos os limites constitucionais”. Segundo o presidente, “o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais (…), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los”.

A ameaça de Bolsonaro de usar o instrumento do impeachment contra ministros do Supremo, previsto no artigo 52 da Constituição, revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar suas relações com o Judiciário, fortemente estremecidas por seu comportamento indecoroso e violento em relação aos ministros Barroso e Moraes, responsáveis por decisões recentes que lhe desagradaram.

Ao contrário: consta que o presidente ficou furioso ao tomar conhecimento do encontro entre seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro Barroso, noticiado pelo Estado. Na reunião, realizada a seu pedido, o magistrado queria ouvir Mourão a respeito da adesão dos militares a uma possível ruptura da ordem institucional estimulada às escâncaras por Bolsonaro. O vice-presidente garantiu que não há como isso acontecer.

Segundo o jornal, Bolsonaro viu o encontro de Mourão e Barroso como parte de uma conspiração para derrubá-lo. A ameaça de pedir o impeachment dos ministros Barroso e Moraes foi a forma que o presidente encontrou para reagir.

A desculpa formal para a nova crise foi a prisão do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, ordenada pelo ministro Moraes sob acusação de que o ex-deputado, vanguarda exótica do bolsonarismo radical, integra uma organização criminosa que incita a ação armada contra os Poderes constituídos e defende a articulação de um golpe de Estado. Há diversos vídeos, espantosos, em que Jefferson, armas em punho, vitupera contra o Supremo e estimula a prática de crimes.

Para o presidente Bolsonaro, Roberto Jefferson apenas exerceu sua “liberdade de expressão”. Uma semana antes da prisão, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, referiu-se ao ex-deputado como “mais um soldado na luta pela liberdade do nosso povo e pela democracia do nosso Brasil”.

Desde os tempos em que Bolsonaro violava sistematicamente o decoro parlamentar, já se sabe que, na hermenêutica bolsonarista, os direitos e garantias constitucionais, como a liberdade de expressão, são uma licença para delinquir. Já os críticos do governo, segundo o presidente, não têm o direito de falar o que podem e devem. Contra os opositores, Bolsonaro lançou o peso da Lei de Segurança Nacional (LSN), criada ainda na ditadura – e revogada só recentemente – para ameaçar quem calunia ou difama o presidente.

É ocioso tentar demonstrar que a interpretação bolsonarista sobre a liberdade e a democracia é equivocada. Em primeiro lugar, porque não é possível esperar que um bolsonarista entenda os princípios da democracia – se entendeu, é porque deixou de ser bolsonarista. Em segundo lugar, não importa a qualidade da argumentação: o bolsonarismo não pretende discutir nada, mas apenas causar confusão, em todas as áreas que importam, seja no combate à pandemia, seja na manutenção da democracia.

É na confusão – de valores, sobretudo – que Bolsonaro prospera. Foi assim com a cloroquina, com o “voto impresso” e, agora, com os desafetos no Supremo. Quando o pedido de impeachment dos ministros do Supremo for engavetado, como se espera, Bolsonaro inventará outra crise, pois depende continuamente disso para afastar de si a responsabilidade pela difícil situação econômica do País – às voltas com a carestia, o desemprego e as perspectivas desanimadoras de crescimento. E depende disso para eletrizar os bolsonaristas radicais, com cujos votos pretende chegar ao segundo turno da eleição de 2022 – e com cuja irresponsabilidade planeja, em caso de derrota, vandalizar a democracia.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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