Máquina de fazer vilão

By | 02/05/2022 8:52 am

(Débora Lopes, Repórter Contribuinte, Intercept, 30/04/2022)

Dois pesquisadores atacados pela matilha da extrema direita.

Há 20 anos que Mano Brown, o maior rapper do Brasil, canta: “Você sabe o que é frustração? Máquina de fazer vilão”. É muito fácil linkar essa frase com a extrema direita, uma fábrica eficaz de ódio, assédio e perseguição a tudo que não corresponde aos seus ideais retrógrados e não raro doentios. Agora, com as eleições se aproximando, essas engrenagens voltam a se mover com força total. Explico a vocês o porquê.

Nesta semana, contei no Intercept a história de um pesquisador que foi ameaçado de morte por simplesmente fazer seu trabalho. Imagine acordar, ligar o computador e encontrar as seguintes mensagens nas suas redes sociais: “Traidor”, “cagueta”, “X9”, “puta do Alexandre de Moraes” e “seu dia está próximo”. Pavoroso e lamentável, sim, mas zero novidade neste Brasil bolsonarista. Sabemos como eles costumam agir. Sabemos como o ódio é vital para eles.

O paulistano Guilherme Felitti é programador e tem como objeto de pesquisa youtubers da extrema direita. Ele criou robôs que monitoram quantos vídeos alguns youtubers publicam, sobre o que falam e o que decidem tirar do ar. Nada disso é ilegal. Pelo contrário. É o próprio Google que fornece esses dados, abertos a qualquer um. Em março, entretanto, Felitti se deparou com um número relevante de vídeos deletados por diversos youtubers. A maioria desses conteúdos criticava o TSE, o STF e enaltecia o deputado Daniel Silveira, do PTB do Rio. Um dos youtubers, o goiano Gustavo Gayer, deletou mais de 50 vídeos sobre esses assuntos em um só dia. Talvez você esteja se perguntando: mas por quê? Porque Gayer e vários desses youtubers estão anunciando pré-candidaturas nas eleições de outubro. E querem evitar problemas com a lei eleitoral.

Ou seja: a coragem deles vai até a página 2, quando cede lugar à conveniência. Vale a pena tirar os ataques do ar porque a turma sabe que pode ser punida e impedida de concorrer pela justiça eleitoral. E sabe como é – não vale arriscar um possível mandato. Em vez de assumir o medo para a bolha que alimentam e instigam, eles resolveram colocar Felitti no papel de cagueta. E, em seus canais, criaram campanhas de assédio direcionado, indiretamente incitando seus seguidores a atacar o pesquisador, ameaçando-o até mesmo de morte.

Não é um caso isolado. Se tem uma coisa que a extrema direita sabe fazer bem, além de propagar o ódio, é tentar meter medo e calar qualquer pessoa que identifique seu modus operandi covarde.

No final de 2021, publicamos uma matéria contando como a produtora audiovisual Brasil Paralelo (que adora ser chamada de “a Netflix da direita”) passou a enviar notificações extrajudiciais a pesquisadores de diversas partes do Brasil para impedir que trabalhos acadêmicos em tom de crítica a respeito dela fossem publicados.

Uma dessas pesquisadoras é a historiadora Mayara Balestro. Recentemente, ela foi atacada nas redes sociais de Leandro Ruschel, empresário bolsonarista que vive nos EUA e membro do conselho da Brasil Paralelo. Ele usou seu Twitter para publicar trechos da tese de mestrado da historiadora – que analisa a Brasil Paralelo e a nova direita. O ataque de Ruschel é puro suco da extrema direita: acusou a “extrema esquerda” de utilizar “sua hegemonia nas universidades, uma estrutura que custa bilhões aos cofres públicos, para criminalizar qualquer divergência e atacar seus críticos”. Ele fez ataques pessoais à pesquisadora: “Uma rápida pesquisa na internet mostrou que a autora de tal trabalho é claramente militante política”. O empresário, então, publicou fotos pessoais que Mayara postou em suas redes sociais, fazendo com que seus mais de 700 mil seguidores se sentissem confortáveis e corajosos o suficiente para atacá-la e amedrontá-la.

Dias depois, Ruschel apagou os tuítes. Assim, se protege de um eventual processo, claro.

Nós já conhecemos a tática da extrema direita, o quanto eles apostam no efeito manada e confiam no ódio como mola propulsora para seus projetos políticos. As eleições estão chegando. Vai piorar. Nós sabemos. E por isso estamos atentos.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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