Empresários precisam perceber que a ameaça do presidente de desobedecer ao STF e convulsionar o País é incompatível com um ambiente propício para empreender
Bolsonaro é o que é – um caso perdido. Mas é bastante preocupante, até mesmo contraditório, que um grupo de empresários compactue com essa retórica desestabilizadora. O interesse explícito de Bolsonaro em convulsionar o Brasil, investindo no caos institucional e social, é incompatível com um ambiente propício para o desenvolvimento dos negócios.
Referindo-se ao julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, ainda a ser julgado pelo STF, o presidente tornou a afirmar que não cumprirá a ordem judicial a depender do que a Corte decida. “Se aprovar isso (a constitucionalidade do marco), o que eu faço? Decisão do Supremo não se discute, se cumpre. É isso?”, perguntou Bolsonaro à plateia. Em coro, os comensais reunidos na ACRJ responderam “não”.
É o caso de perguntar se aqueles empresários, de fato, concordam com essa desabrida ode à insegurança jurídica, tão nefasta para o florescimento da atividade econômica em qualquer país, feita por ninguém menos do que o presidente da República – que pretende ficar mais quatro anos no poder. Decerto é possível discordar de decisões judiciais, e aí está o extenso rol de recursos à disposição das partes de uma lide; descumpri-las, no entanto, é algo inconcebível à luz do Estado Democrático de Direito consagrado desde o preâmbulo da Constituição. Se a desobediência parte do presidente da República em pessoa, trata-se de grave ruptura da ordem constitucional.
A mera menção à hipótese de descumprimento de ordens judiciais por parte do presidente deveria ser objeto de pronto e manifesto repúdio por parte dos empresários. Para quem investe tempo e capital para abrir ou expandir seus negócios, não há nada mais sagrado do que o respeito aos contratos – e o mais importante dos contratos numa sociedade genuinamente democrática é aquele pactuado entre os cidadãos na forma de sua Constituição.
Nesse contrato, está escrito, no artigo 102, que a “guarda da Constituição” é competência precípua do Supremo Tribunal Federal. Assim, goste-se ou não, a interpretação final dos termos do contrato constitucional é do Supremo. Desrespeitar ordens do Supremo, portanto, equivale a desrespeitar a Constituição. Se o “guardião da Constituição” é desacatado, “a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas”, como salientou em decisão de 1999 o então ministro Celso de Mello.
Logo, como se vê, um presidente da República não poderia nem cogitar de desacatar ordens do Supremo, pois somente a menção a essa possibilidade tem o condão de causar instabilidade. Por esse motivo, é incompreensível que empresários, que deveriam desejar a estabilidade, aplaudam a mera hipótese de uma ruptura, por mais fundados que sejam seus receios em relação a uma possível vitória do principal adversário de Bolsonaro, o petista Lula da Silva.
O movimento racional que é esperado de empresários ciosos da situação do País foi visto em setembro do ano passado. À época, mais de 240 importantes entidades representativas de diversos segmentos econômicos subscreveram um manifesto externando suas preocupações com a rusga entre Poderes da República e os reiterados ataques de Bolsonaro às instituições democráticas. São empresários que compreendem que a instabilidade política e jurídica pode ser muito boa para os interesses eleitorais do presidente-candidato, mas é péssima para o País e para os brasileiros. Vale dizer, são empresários que sabem muito bem que Bolsonaro é ruim para os negócios.