Advocacia-Geral da União terá a palavra final sobre a legalidade da criação de benefícios e outras políticas públicas
O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou um decreto nesta segunda-feira (27) para permitir que a AGU (Advocacia-Geral da União) dê o parecer final sobre a legalidade de ações do governo em ano eleitoral.
A medida foi elaborada para tentar blindar o chefe do Executivo sobre possível cometimento de crime por criar ou ampliar benefícios no ano das eleições.
A legislação estabelece diversas restrições a todos os governantes às vésperas da disputa eleitoral e há o receio no governo de que essas previsões sejam violadas caso Bolsonaro aumente o Vale Gás e o Auxílio Brasil e crie um auxílio para ajudar caminhoneiros em meio à alta dos combustíveis.
O chefe do Executivo tem aparecido atrás do ex-presidente Lula (PT) em todos os levantamentos e, na última pesquisa Datafolha, apareceu com 19 pontos percentuais abaixo do petista.
Uma das possibilidades aventadas é incluir a instituição de um auxílio para caminhoneiros, por exemplo, em uma PEC (proposta de emenda à Constituição), o que ajudaria a reduzir os questionamentos eleitorais. A expectativa é contemplar entre 700 mil e 900 mil caminhoneiros autônomos com o vale.
Geralmente, os pareceres sobre esse tipo de política pública são dados pelas consultorias jurídicas dos ministérios envolvidos nas discussões. Agora, a palavra final caberá à AGU, que é chefiada por Bruno Bianco, funcionário de carreira do órgão e homem de confiança do presidente.
O governo informou que o decreto “estabelece fluxo de consulta ao Advogado-Geral da União em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com a legislação eleitoral e financeira aplicável ao final do mandato”.
“No último ano do mandato presidencial, todos os governantes se deparam com as limitações da legislação eleitoral e da legislação financeira. Entre as restrições normativas, encontram-se dispositivos cujos contornos são ambíguos e geram muitas dúvidas na aplicação prática”, afirmou o Executivo.
Atualmente, a AGU só é chamada a dar esse tipo de parecer em algumas exceções, como quando há pareceres conflitantes entre mais de um órgão do governo.
O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado questiona por que o governo disciplinou essa função da AGU apenas para o último ano de mandato. Ele afirma que a Constituição já prevê que o órgão faça a assessoria jurídica do presidente.
“Ele instituiu uma função que para mim parece absolutamente desnecessária. Para mim, parece estar preparando o advogado-geral da União para ser uma espécie de advogado eleitoral que assuma responsabilidades —e isso é muito esquisito. Ou você regulamenta a função constitucional do AGU tendo em vista o interesse do Estado, ou você faz isso tendo em vista o interesse de um candidato à reeleição”, diz.
O decreto desta segunda prevê que caberá à AGU opinar sobre “os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de direito eleitoral e de direito financeiro, no último ano do mandato presidencial”.
Penteado afirma que o último trecho da norma expõe “uma conotação eleitoral muito assumida”.
“Do ponto de vista da técnica legislativa, se eu fosse o advogado-geral da União eu ia dizer para o presidente: se o senhor tem dúvida a respeito disso, não precisa. A minha obrigação não se limita ao último ano de mandato”, diz.
O advogado Marcelo Issa, especializado em transparência eleitoral, afirma que um eventual parecer da AGU a favor da criação de novos auxílios e da ampliação de outros benefícios não tem poder para eximir Bolsonaro de eventuais violações à legislação eleitoral.
“A Justiça segue tendo a prerrogativa de avaliar se uma eventual benesse concedida no período eleitoral viola a lei eleitoral ou não. A manifestação da AGU não impede que o Judiciário posteriormente reconheça alguma infração à lei”, afirma.
E prossegue: “Fica claro que é sim é uma tentativa de centralizar na AGU a avaliação interna, porque no fim das contas é disso que se trata, da legalidade de eventuais medidas que possam ter impacto eleitoral”.
Ele explica que a legislação veda a instituição de benefícios no ano do pleito. “A lei diz que, no ano da eleição, é proibida a distribuição de bens, valores ou benefícios, exceto em casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais cuja a legislação já esteja aprovada e com execução orçamentária no ano anterior”, afirma.
Issa acredita que pode ficar caracterizada a violação à lei eleitoral mesmo com a aprovação de uma PEC e com a instituição do estado de emergência.
“Mesmo que o governo seja bem-sucedido nessa empreitada, não fica imune a eventuais questionamentos judiciais. Isso porque, mesmo assim seria possível que houvesse alguma ação sobre o caráter desse eventual estado de emergência no sentido de que ele poderia eventualmente ser uma burla à legislação eleitoral”, diz.
Já Tarcísio Vieira de Carvalho, advogado eleitoral do presidente, elogia o decreto. “A iniciativa, em ano eleitoral, é deveras inteligente. Formata um padrão uniforme de comportamento administrativo e, adicionalmente, denota legítima preocupação com o integral cumprimento da legislação eleitoral. Melhor prevenir do que remediar”.