A verdadeira herança maldita

By | 30/06/2022 2:41 pm

Não se sabe quem será o próximo presidente, mas isso não é importante para os que trabalham neste momento para manter o orçamento secreto intacto e sob controle do Centrão

Quem suceder a Jair Bolsonaro na Presidência da República encontrará um rastro de destruição em áreas essenciais da administração pública federal, como economia, saúde, educação, cultura, relações exteriores e meio ambiente. Mas poucos legados do atual mandatário terão sido tão nefastos para o futuro próximo do País quanto a entrega, pelo Poder Executivo, da responsabilidade que lhe cabe na gestão do Orçamento a um grupo de parlamentares oportunistas, que viram na debilidade moral, política e administrativa de Bolsonaro o ensejo para cobrarem do presidente um alto preço por sua permanência no cargo, malgrado a miríade de crimes de responsabilidade que ele cometeu – e segue cometendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é figura de proa na arquitetura e na execução desse arranjo inconstitucional. Sob suas ordens diretas está a destinação da maior parte dos bilionários recursos que compõem o chamado orçamento secreto. Poucos políticos detiveram tanto poder em suas mãos na história recente do País como Arthur Lira detém hoje. E o presidente da Câmara sabe disso. Tanto que, à luz do dia, manobra para conservar não apenas o próprio orçamento secreto, mas, sobretudo, o seu papel central no esquema, seja quem for o vencedor da eleição presidencial em outubro.

Como revelou o Estadão no domingo passado, Lira pretende incluir um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – ou criá-lo por meio de uma resolução do Congresso – que torne obrigatórias as assinaturas do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do relator da LDO para as indicações das emendas do orçamento secreto, em conjunto com a anuência do relator-geral do Orçamento, que hoje é quem detém essa “prerrogativa”, chamemos assim, com exclusividade.

Até aqui, a ordem das coisas tem atendido bem aos interesses de Arthur Lira e seu grupo político. Os relatores-gerais do Orçamento nos últimos dois anos foram aliados do presidente da Câmara. Mas Lira, não é de hoje, já está com os olhos voltados para 2023, pensando não só em sua reeleição como presidente da Casa, como também em maneiras de conservar seu poder pessoal de direcionar a distribuição das emendas do orçamento secreto, que no ano que vem deverão somar R$ 19 bilhões. A estratégia eleitoral de Lira para seguir à frente da Câmara na próxima legislatura está umbilicalmente ligada à renovação de seu mandato pelos alagoanos, por óbvio, e ao seu poder de distribuir dinheiro entre os pares.

O relator-geral do Orçamento de 2023 será o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um parlamentar que não faz parte do grupo político de Arthur Lira. Já o presidente da CMO será o deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Bolsonaro e escolhido pessoalmente pelo presidente da Câmara para chefiar a comissão. Por fim, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) será o relator da LDO. Do Val, como os brasileiros puderam acompanhar durante a CPI da Pandemia, tem forte inclinação governista.

O que funcionou até aqui com relatores-gerais do Orçamento aliados de Arthur Lira pode não funcionar da mesma forma em 2023, quando a relatoria-geral estará a cargo de um parlamentar cuja atuação o presidente da Câmara pode não ter como controlar. É vital para Lira, portanto, diluir o poder de Marcelo Castro entre seus aliados na presidência da CMO e na relatoria da LDO e tornar o pagamento das emendas RP-9 impositivo, como é para as emendas individuais e de bancada. Já para o País, vital é acabar com o orçamento secreto.

O próximo presidente da República haverá de empreender um grande esforço para recuperar o controle do Orçamento que foi perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. E recuperar esse controle não apenas para cumprir a transparência inscrita na Constituição, razão fundamental por si só e já ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, mas para também reconciliar o Orçamento com as grandes prioridades nacionais, que são muito distintas dos interesses paroquiais dos parlamentares que hoje se esbaldam com recursos públicos sem prestar contas a ninguém.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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