Orçamento preparado para 2023 mostra a falta de compromisso do Governo Bolsonaro para com os problemas do Brasil

By | 17/09/2022 4:28 am

O darwinismo social de Bolsonaro

O corte drástico do Programa Farmácia Popular, antes de ser um ‘desencaixe’ acidental da democracia, na definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista

(Editorial do Estadão, 16/09/2022)

 

O governo Jair Bolsonaro tem facilitado a vida dos candidatos que disputam com ele a Presidência da República. Para conquistar votos, as equipes de campanha não precisam apelar a um marketing agressivo ou às fake news que levaram o presidente ao Palácio do Planalto em 2018. Basta ler a proposta que sua administração elaborou para o Orçamento de 2023. Não há peça que deponha mais contra sua gestão e que exponha o tamanho das contradições de suas promessas eleitoreiras do que o documento formal enviado ao Congresso no fim de agosto. Na proposta, o Executivo já havia sido incapaz de garantir a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, tema central da campanha, e teve que fixá-lo em R$ 400, tudo para garantir a reserva de R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto. Não foi suficiente. Agora, como o Estadão revelou, o governo achou por bem comprometer o bem-sucedido programa de distribuição de medicamentos Farmácia Popular e cortar 60% de sua verba.

Diante da péssima repercussão que a notícia teve, o governo apelou à repisada estratégia de buscar outro culpado – qualquer um – para assumir a responsabilidade pela tesourada no programa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, elencou o rol de inimigos que costuma mencionar nesses momentos em que precisa justificar o injustificável, como o teto de gastos – que, curiosamente, funciona para toda e qualquer política pública, menos para conter o avanço das emendas de relator. Sem citar o Centrão, grupo formado pelos verdadeiros donos das emendas de relator, o ministro foi audacioso: culpou até a democracia e prometeu recompor os recursos do Farmácia Popular por meio de uma mensagem presidencial a ser enviada, convenientemente, um dia depois da eleição. “Essa mensagem presidencial vai corrigir esses desencaixes que a democracia às vezes acidentalmente permite”, disse.

Não é a primeira vez que Guedes expõe uma concepção distorcida sobre o regime democrático. Isto posto, o corte do Programa Farmácia Popular, sob vários aspectos, é um episódio revelador. Deixa claro que, para o ministro da Economia, a reeleição de Bolsonaro precisa ser garantida custe o que custar. Do contrário, ele não teria considerado razoável priorizar a distribuição de verbas paroquiais bilionárias a aliados em detrimento de uma política pública que garanta acesso gratuito a medicamentos contra doenças crônicas como hipertensão, asma e diabetes, cujo tratamento tem caráter preventivo e não pode ser interrompido. Afinal, a ideia de reduzir linearmente as despesas discricionárias da Saúde em 60%, de forma a preservar as emendas de relator, partiu do próprio Ministério da Economia.

Como mostrou o Estadão, os técnicos do Ministério da Saúde alertaram a equipe de Guedes de que a redução dos recursos do Farmácia Popular de R$ 2,04 bilhões para R$ 804 milhões tornaria o programa inviável no ano que vem. Como alternativa, eles defenderam, sem sucesso, um corte nas rubricas de atenção primária e de média e alta complexidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Se Guedes apelou para o contorcionismo argumentativo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, recorreu à mentira. Para blindar Bolsonaro, ele disse que o orçamento secreto tinha execução obrigatória, quando até as pedras sabem que esse tipo de emenda parlamentar não é impositiva e poderia ser cortada pelo governo. Com a mesma desfaçatez de quem anuiu com a redução de 60% das verbas do Farmácia Popular, Queiroga prometeu não só revê-lo, como ampliar os recursos destinados ao programa. Nada disso está no Orçamento de 2023 enviado pelo governo ao Congresso.

Nisso tudo, o que chama a atenção é o silêncio de Bolsonaro. Pudera: não há o que dizer ante o fato incontestável de que o corte do Farmácia Popular, antes de ser um “desencaixe” acidental da democracia, na inacreditável definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista. A pouco mais de duas semanas das eleições, Bolsonaro está colhendo os frutos que plantou durante três anos e meio de ergofobia crônica e de orgulhoso darwinismo social. Só ele e seus ministros não sabiam a relevância que uma boa política pública pode ter no bem-estar da população.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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