Os inimigos do Estado

By | 01/12/2022 6:26 am

Dados reunidos pela equipe de transição sobre o governo Bolsonaro expõem mais que cortes orçamentários: trata-se de profunda desestruturação do Estado em suas várias dimensões

Imagem ex-librisA derrota de Jair Bolsonaro parece ter livrado o País das amarras que o modus operandi do presidente impunha ao funcionamento das instituições de Estado. Já se sabia dos efeitos do descalabro bolsonarista em políticas públicas voltadas ao meio ambiente, educação, ciência e cultura, mas o que surpreende é o quão bem-sucedido o governo foi em destruir áreas que não pareciam estar na mira presidencial, como saúde e assistência social.

Ainda na campanha, a apresentação do Orçamento de 2023 já era um prenúncio de tempos difíceis, com tesouradas brutais em programas como o Farmácia Popular e a ausência de recursos para garantir o piso do Auxílio Brasil. O gabinete de transição do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, tem sido alimentado com relatos diários sobre o caos generalizado que terá de enfrentar no que diz respeito ao provimento de serviços públicos essenciais.

Com quase 700 mil mortes, uma nova onda de casos e cobertura vacinal insuficiente, o País pode ter de descartar 13 milhões de doses de imunizantes contra a covid-19 com prazo de validade prestes a expirar. O prejuízo, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), pode chegar a quase R$ 2 bilhões. Alegando tratar-se de informações reservadas, o Ministério da Saúde resiste ao pedido de informações dos integrantes do governo eleito sobre o estoque de medicamentos na rede pública, desde analgésicos a antirretrovirais para o tratamento de HIV. A pasta tampouco apresentou dados sobre a fila de pessoas em busca de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre a previsão de aquisição de vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

A equipe de transição recebeu a informação de que há 5 milhões de processos referentes a benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com análise atrasada. O jornal Valor mostrou que beneficiários do Auxílio Brasil têm tido os pagamentos bloqueados sem motivo aparente. Solucionar o problema exige meses de espera para agendar um atendimento presencial nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) – filas que devem explodir com a tardia investigação sobre o crescimento de famílias unipessoais no Cadastro Único (CadÚnico), convenientemente iniciada somente depois do segundo turno.

Há muitos outros casos a confirmarem o quadro, e talvez não seja por acaso que o gabinete de transição tenha reunido mais de 400 pessoas – a imensa maioria trabalhando sem remuneração – dispostas a fazer um diagnóstico das urgências a serem enfrentadas em 2023. A substituição da figura agressiva, vingativa e desagregadora de Bolsonaro pelo vulto apático que o revés eleitoral evidenciou parece ter encorajado muitos servidores até então silenciados a colaborar na descrição das consequências práticas da balbúrdia a que o País foi submetido nos últimos quatro anos.

Toda a prioridade do governo eleito tem sido dada à construção de acordos pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, solução escolhida para recompor a verba de programas prioritários do Orçamento de 2023. As informações reunidas pelo gabinete de transição revelam mais do que simples cortes de verbas e necessários remanejamentos orçamentários, mas uma profunda e generalizada desestruturação do Estado em suas mais diversas dimensões – em especial das raras políticas públicas que venciam todos os obstáculos até chegar efetivamente às famílias mais carentes.

“Quanto mais Estado, pior”, vaticinou o presidente, em uma entrevista que concedeu à revista Veja entre o primeiro e o segundo turno da eleição. Em vez de proporcionar mais foco, prioridade, eficiência e qualidade ao gasto público, o bolsonarismo apostou em uma sociedade quase feudal, em que cada um deve lutar pela sobrevivência literalmente com suas próprias armas. Diante dos péssimos resultados que o País colheu, cabe perguntar como Bolsonaro conquistou quase metade dos votos na disputa presidencial, bem como refletir sobre o que isso revela sobre as noções brasileiras de cidadania e coesão social.

 

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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