Decisão terá impacto sobre votação da PEC da Transição e relação entre os Poderes; faltam votar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta segunda-feira, 19, o julgamento que vai definir se o orçamento secreto fere a Constituição. Até agora, o placar tem cinco votos favoráveis à derrubada do dispositivo e outros quatro pela manutenção do modelo atual, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Faltam votar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
O resultado terá impacto na relação entre os Poderes no próximo ano e, sobretudo, na construção da governabilidade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro (PL). É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto negocia apoio no Congresso. O caso foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens.
A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Centrão para que a Câmara aprove, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo pagar o novo Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo. Os deputados ameaçam desidratar o texto, ou até mesmo barrá-lo na Câmara, caso o STF acabe com o orçamento secreto.
Durante a campanha, Lula chamou o mecanismo utilizado no orçamento secreto de “excrescência” e prometeu revogá-lo caso fosse eleito. Agora diplomado, o petista recuou do posicionamento adotado na corrida presidencial. Em reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – a quem já chamou de “imperador do Japão” por operar o esquema -, Lula disse diversas vezes não ter feito articulações com ministros do STF para tentar derrubar o mecanismo.
O eventual fim do orçamento secreto também tem potencial para afetar a relação entre o STF e o Congresso. Deputados e senadores ameaçam não aprovar a proposta orçamentária do Judiciário para 2023, que prevê aumento de salário aos ministros da Corte, provocando efeito cascata para toda a magistratura e o Ministério Público.
O veto aos recursos da Justiça seria uma retaliação dos parlamentares aos magistrados pelo fim do principal instrumento de barganha do Legislativo com o governo. “Vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles”, disse ao Estadão o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
Na Corte, cinco ministros já se posicionaram pelo fim do orçamento secreto. Esses magistrados acompanharam o voto da presidente do STF, ministra Rosa Weber, que definiu a prática como um dispositivo “à margem da legalidade”, “envergonhado de si mesmo”, que impõe “um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União”. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deve ser considerado inconstitucional.
Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto há diferentes gradações sobre o nível de transparência que deve ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não veem conflito algum entre o dispositivo e a Constituição. Exigem apenas que os recursos sejam divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução “intermediária”, que equipara as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvazia o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos.
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes já deram indícios de que devem votar pela manutenção das emendas secretas. Em outras ocasiões, porém, argumentaram que a divisão dos recursos deve ocorrer de maneira mais transparente e proporcional em relação ao atual modelo.
Antes de pedir a suspensão do julgamento, na quinta-feira, 15, Lewandowski chegou a dizer que as últimas modificações no orçamento secreto – aprovadas pelo Congresso às pressas, na sexta, 16 – estavam alinhadas às preocupações dos ministros que cobraram transparência na distribuição das verbas.
Lewandowski é tido como o fiel da balança nessa votação porque na primeira vez em que o caso foi a julgamento na Corte, Gilmar já havia observado ser necessário somente a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.
Para o procurador Roberto Livianu, que preside o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o projeto de resolução aprovado pelo Congresso é “insatisfatório” para coibir a captura do orçamento pela cúpula do Câmara e do Senado.
Na avaliação do decano Gilmar Mendes, a continuidade desse mecanismo pode ser decisiva para a capacidade de governar dos próximos presidentes. Na quinta-feira, 15, pouco antes de o julgamento ser suspenso, o ministro lembrou que, desde a redemocratização, o País já passou por dois processos de impeachment porque os chefes do Executivo perderam bases no Congresso.
Gilmar apelou, ainda, para que os demais integrantes da Corte refletissem sobre o tema antes da decisão, sob a alegação de que o julgamento do orçamento secreto é determinante para a relação entre os Poderes. “Está em jogo a governabilidade”, afirmou o magistrado.
Comentário nosso
Concordamos plenamente com o procurador Roberto Livianu, para quem o projeto de resolução aprovado pelo Congresso é “insatisfatório” para coibir a captura do orçamento pela cúpula do Câmara e do Senado.