STF retoma julgamento do orçamento secreto e preocupa Centrão

By | 19/12/2022 7:17 am

Decisão terá impacto sobre votação da PEC da Transição e relação entre os Poderes; faltam votar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta segunda-feira, 19, o julgamento que vai definir se o orçamento secreto fere a Constituição. Até agora, o placar tem cinco votos favoráveis à derrubada do dispositivo e outros quatro pela manutenção do  modelo atual, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Faltam votar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O resultado terá impacto na relação entre os Poderes no próximo ano e, sobretudo, na construção da governabilidade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro (PL). É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto negocia apoio no Congresso. O caso foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens.

A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Centrão para que a Câmara aprove, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo pagar o novo Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo. Os deputados ameaçam desidratar o texto, ou até mesmo barrá-lo na Câmara, caso o STF acabe com o orçamento secreto.

Supremo Tribunal Federal deve encerrar nesta segunda julgamento sobre orçamento secreto.
Supremo Tribunal Federal deve encerrar nesta segunda julgamento sobre orçamento secreto. 

Durante a campanha, Lula chamou o mecanismo utilizado no orçamento secreto de “excrescência” e prometeu revogá-lo caso fosse eleito. Agora diplomado, o petista recuou do posicionamento adotado na corrida presidencial. Em reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – a quem já chamou de “imperador do Japão” por operar o esquema -, Lula disse diversas vezes não ter feito articulações com ministros do STF para tentar derrubar o mecanismo.

O eventual fim do orçamento secreto também tem potencial para afetar a relação entre o STF e o Congresso. Deputados e senadores ameaçam não aprovar a proposta orçamentária do Judiciário para 2023, que prevê aumento de salário aos ministros da Corte, provocando efeito cascata para toda a magistratura e o Ministério Público.

O veto aos recursos da Justiça seria uma retaliação dos parlamentares aos magistrados pelo fim do principal instrumento de barganha do Legislativo com o governo. Vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles”, disse ao Estadão o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).

Na Corte, cinco ministros já se posicionaram pelo fim do orçamento secreto. Esses magistrados acompanharam o voto da presidente do STF, ministra Rosa Weber, que definiu a prática como um dispositivo “à margem da legalidade”, “envergonhado de si mesmo”, que impõe “um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União”. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deve ser considerado inconstitucional.

Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto há diferentes gradações sobre o nível de transparência que deve ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não veem conflito algum entre o dispositivo e a Constituição. Exigem apenas que os recursos sejam divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução “intermediária”, que equipara as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvazia o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos.

Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes já deram indícios de que devem votar pela manutenção das emendas secretas. Em outras ocasiões, porém, argumentaram que a divisão dos recursos deve ocorrer de maneira mais transparente e proporcional em relação ao atual modelo.

 Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes são os únicos que ainda não votaram. Fotos: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes são os únicos que ainda não votaram. Fotos: Rosinei Coutinho/SCO/STF  

Antes de pedir a suspensão do julgamento, na quinta-feira, 15, Lewandowski chegou a dizer que as últimas modificações no orçamento secreto – aprovadas pelo Congresso às pressas, na sexta, 16 – estavam alinhadas às preocupações dos ministros que cobraram transparência na distribuição das verbas.

Lewandowski é tido como o fiel da balança nessa votação porque na primeira vez em que o caso foi a julgamento na Corte, Gilmar já havia observado ser necessário somente a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

Para o procurador Roberto Livianu, que preside o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o projeto de resolução aprovado pelo Congresso é “insatisfatório” para coibir a captura do orçamento pela cúpula do Câmara e do Senado.

“Esse dispositivo criado pelo Congresso é absolutamente insatisfatório. É, na verdade, um disfarce porque nós continuamos com um orçamento secreto. Nós não podemos ter uma fatia gigantesca do bolo orçamentário entregue aos parlamentares. Não é essa a vontade do povo ou da Constituição. Isso que o Congresso fez é um atalho para tentar minimizar o orçamento secreto, o que não resolve a questão. É preciso desconcentrar o poder e desarmar essa armadilha que não tem sustentação numa República”, disse Livianu.

Na avaliação do decano Gilmar Mendes, a continuidade desse mecanismo pode ser decisiva para a capacidade de governar dos próximos presidentes. Na quinta-feira, 15, pouco antes de o julgamento ser suspenso, o ministro lembrou que, desde a redemocratização, o País já passou por dois processos de impeachment porque os chefes do Executivo perderam bases no Congresso.

Gilmar apelou, ainda, para que os demais integrantes da Corte refletissem sobre o tema antes da decisão, sob a alegação de que o julgamento do orçamento secreto é determinante para a relação entre os Poderes. “Está em jogo a governabilidade”, afirmou o magistrado.

Comentário nosso

Concordamos plenamente com o procurador Roberto Livianu, para quem o projeto de resolução aprovado pelo Congresso é “insatisfatório” para coibir a captura do orçamento pela cúpula do Câmara e do Senado.

Esse dispositivo criado pelo Congresso é absolutamente insatisfatório. É, na verdade, um disfarce porque nós continuamos com um orçamento secreto. Nós não podemos ter uma fatia gigantesca do bolo orçamentário entregue aos parlamentares. Não é essa a vontade do povo ou da Constituição. Isso que o Congresso fez é um atalho para tentar minimizar o orçamento secreto, o que não resolve a questão. É preciso desconcentrar o poder e desarmar essa armadilha que não tem sustentação numa República“, disse Livianu. (LGLM)

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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