Visto como instrumento de barganha por partidos desse bloco para apoiar Jair Bolsonaro, o orçamento secreto foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens, a partir de maio do ano passado. Ganhou cada vez mais força nos últimos tempos e, após a eleição, foi considerado uma oportunidade de ouro para pôr a faca no pescoço do presidente eleito. Trata-se da nova versão do “é dando que se recebe”, a forma mais explícita de chantagear o Palácio do Planalto.
“Eu não sou pai de santo nem João de Deus”, disse Lira em reunião com líderes de partidos, na noite da última quarta-feira, na residência oficial da Câmara. Na ocasião, o deputado afirmou que, a exemplo de um médico, precisava de “instrumentos” para garantir votos ao governo Lula e aprovar a PEC da Transição no plenário. Por “instrumentos”, leia-se cargos em ministérios para aliados, como Minas e Energia e Saúde, além dos recursos do orçamento secreto.
Em conversa com o presidente eleito, neste domingo, 18, Lira admitiu ter dificuldades para conseguir os 308 votos necessários à aprovação da PEC da Transição. A proposta permite ao Planalto aumentar as despesas em R$ 168 bilhões, por um período de dois anos, com o objetivo de pagar o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo.
Mas o que isso tem a ver com o orçamento secreto? Na prática, todas as pontas desta história estão interligadas. Na noite de domingo, 18, por exemplo, o ministro do STF Gilmar Mendes criou uma espécie de vacina contra a revolta do Centrão e, atendendo a um pedido da Rede – partido aliado de Lula –, decidiu que recursos para bancar o Bolsa Família devem ficar fora do teto de gastos.
Com isso, o futuro governo ganha fôlego financeiro para arcar com essas despesas, caso Lira e o Centrão resolvam promover retaliações no plenário da Câmara, diminuindo o valor e o prazo de validade da PEC que dá a Lula uma licença para gastar. Esse seria o troco ao resultado do julgamento do orçamento secreto. Nos bastidores, aliados de Lula dizem que Lira “cobra por corrida”.
O presidente da Câmara fez e fará de tudo para salvar o orçamento secreto. Foi vencido no STF, mas vai tentar encaixar a verba, por meio de emendas de comissão, durante a análise da PEC ou até mesmo do Orçamento da União para 2023.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski disse que “apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte”. Na prática, os magistrados perceberam que nem mesmo o projeto de resolução do Congresso, aprovado às pressas na sexta-feira, 16, para “disciplinar” a distribuição das emendas, impede a captura dos recursos pelas cúpulas da Câmara e do Senado.
Lewandowski é próximo de Lula e sua decisão foi interpretada pelo Centrão como uma interferência do presidente eleito para barrar de vez o orçamento secreto. Como se vê, os próximos dias na capital da República prometem uma queda de braço que pode se estender pelos primeiros meses do governo Lula, com desfecho imprevisível.
Comentário nosso
O Supremo Tribunal Federal tem razão. A resolução do Congresso ainda deixa bilhões do orçamento secreto sem a transparência necessária pois as indicações de destinação das verbas continuam nas mãos das Mesas Diretoras de Câmara e Senado e das lideranças partidárias, que teriam como direcionar os recursos da forma que bem quisessem. Podendo manipular os parlamentares para votarem da forma que Mesas e lideranças bem quisessem. (LGLM)