Pelé está morto. Aos 82 anos, o melhor jogador de todos os tempos não resistiu ao tratamento de um câncer no cólon. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Seu coração bateu pela última vez de forma lenta e pausada, sem que seu corpo sentisse qualquer dor. Estava sedado. Pelé morreu sereno, tranquilo e calmo, como sempre se comportou diante dos zagueiros e goleiros que tentaram impedir seus gols. Tudo o que era possível fazer, foi feito.
Pelé nunca desistiu da vida. Ela sempre lhe deu muito. E ele a todos nós. Pelé queria viver mais. Ele terminou os seus dias amparado pela mulher, Márcia, com o carinho dos filhos e rezando no quarto do hospital, um hábito que sempre o acompanhou, mas que nos últimos tempos era quase uma obsessão. Pelé rezava com os médicos. Levou sua fé até o fim e a Deus nunca deixou de agradecer pelo dom dado sem pedir nada em troca.
O futebol está de luto. O dia de sua morte será lembrado para sempre, assim como sua história. “Pelé morreu” vai ser a frase mais dita nos próximos dias em Três Corações, Bauru, Santos, São Paulo, Brasil e em todos os cantos do planeta. Seu corpo será velado na Vila Belmiro. A família pediu para o corpo ser cremado. Haverá muita gente incrédula com a notícia. Mas ninguém indiferente a ela. Sua história continuará sendo contada de geração em geração até o fim dos tempos. Reis, rainhas e presidentes vão chorar sua morte e reverenciar o que ele fez em vida. O futebol vai demorar para entender o que essas duas palavras significam: “Pelé morreu”. A notícia vai correr o mundo. Não se sabe se um dia o futebol deixará o luto. Suas histórias vão virar lenda. Pelé está morto.
O Brasil ainda não sabe o que sua morte significa. Vai descobrir com o tempo, em meio à dor da perda de um filho pródigo e de um vazio inigualável. Inigualável porque Pelé foi o maior jogador da história do futebol. Não há nem haverá outro como ele. A notícia de sua morte vai ecoar pelo mundo. Onde há uma bola, há reverência a Pelé, seu talento e história. O futebol chora sua morte. Pelé está morto.
Ele deixa milhões de admiradores e seguidores nas redes depois de viver os últimos anos numa luta quase que diária com suas doenças. Há anos, sua saúde estava cada vez mais debilitada, de altos e baixos, com momentos estáveis e outros nem tanto. Pelé foi definhando em vida, longe da bola e cada vez mais distante dos compromissos profissionais. Em seus últimos momentos, nem de longe lembrava aquele atleta esbelto e dono de movimentos precisos. Mas Pelé reinou absoluto até o fim. Ele deixa mulher e sete filhos. Um câncer o derrubou, mas não somente. Ele tinha outras doenças graves, uma delas nos músculos das pernas. Tentou um tratamento nos EUA, mas não deu certo. Também tinha enfermidades no coração.
Neste dia em que não haverá notícia maior e mais sentida do que sua morte, Pelé se junta a outros gênios da humanidade, como Leonardo da Vinci, William Shakespeare, Albert Einstein, Villa-Lobos e alguns mais por quem o mundo se dobrou. Os feitos de Pelé como jogador correram o mundo e se tornaram maiores do que ele próprio, um sujeito simples que gostava de reunir a família em volta da mesa aos domingos, de cantar e contar histórias. Sua fama o precede desde os 17 anos, quando estreou pela seleção brasileira na Copa de 1958. Nascido Edson Arantes do Nascimento, Pelé foi homem e deus ao mesmo tempo. Em vida, recebeu muitos homenagens. A última delas, uma coroa na camisa do Santos. Em sua morte, recebe gratidão. Pelé está morto.
O Rei estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele acompanhou alguns jogos da Copa do Catar, ‘abraçou’ Neymar após a eliminação do Brasil e festejou a conquista da Argentina, do amigo Messi. Um dos últimos boletins médico relatava um Pelé mais enfraquecido e debilitado. “Internado desde 29 de novembro para uma reavaliação da terapia quimioterápica para tumor de cólon e tratamento de uma infecção respiratória, Edson Arantes do Nascimento apresenta progressão da doença oncológica e requer maiores cuidados relacionados às disfunções renal e cardíaca. O paciente segue internado em quarto comum, sob os cuidados necessários da equipe médica”, informava o boletim do dia 21 de dezembro assinado pelos médicos Fabio Nasri, geriatra e endocrinologista, Rene Gansl, oncologista, e Miguel Cendoroglo Neto, diretor-superintendente médico e serviços hospitalares, todos do Einstein e que assistiram ao paciente em seus últimos dias. Familiares também estiveram com ele. Sua última mulher, Marcia, foi a grande companheira à beira da morte.
Pelé iniciou tratamento contra um tumor no cólon em 2021. Ele precisava ir ao hospital com frequência para dar seguimento ao atendimento e fazer avaliações. Já havia sido submetido a uma cirurgia para retirada do tumor no mesmo hospital em setembro daquele ano. No início de 2022, os médicos constataram metástase que atingia o intestino, o pulmão e o fígado. Pelé nunca se entregou. Morreu sedado e sem se entregar.
Maior de todos
Aclamado “Rei do Futebol” e “Atleta do Século 20″, o ídolo brasileiro tinha fãs pelo mundo todo. Seu nome, ou apelido de quatro letras (PELÉ), era conhecido muito mais do que qualquer personalidade das mais diversas áreas e gerações, mais até do que presidentes, reis e rainhas, além dos papas. Pelé não precisava de legenda em suas fotos. Reza a lenda que nunca pediram passaporte para ele em suas inúmeras viagens. Exagero? Nem tanto para quem carregou a fama de ter parado uma guerra na África, apertado a mão dos últimos presidentes americanos e sido abençoado pelos papas que ocuparam o Vaticano em sete décadas, do italiano São João 23 ao argentino Francisco Bergoglio, para quem Pelé sempre foi melhor do que Maradona.
Sinônimo de saúde e vigor físico durante toda a sua carreira, Pelé vinha enfrentando problemas médicos nos últimos anos. Seu corpo atlético e perfeito definhava com a inevitável chegada da idade e alguns contratempos de saúde, como uma cirurgia no fêmur em 2012 e os músculos enfraquecidos das pernas. Pelé virou um senhor cuja imagem do passado dizia mais do que o reflexo do presente no espelho. Ele vinha se distanciando de sua maior paixão, a bola, fazia algum tempo.
Seu maior prazer era reunir a família nos almoços de domingo. Também reduziu sua agenda a quase zerá-la, não viajava mais e não aparecia no Museu Pelé, em Santos, onde tinha uma ampla sala para dar expediente e de onde gostava de ficar a ver os navios passando pela janela. Foi lá que o Estadão esteve com ele pela última vez, em 2019, por causa dos 50 anos do seu milésimo gol
Pelé em 80 fotos do Estadão
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A história de Pelé já foi contada de diversas maneiras, com inúmeros recortes e fatos, todos eles fascinantes. Ensinou sua arte nos Estados Unidos por um caminhão de dinheiro, quando vestiu a camisa do Cosmos de 1974 a 1977. Fez da seleção brasileira conhecida e reverenciada nos rincões do planeta ao ser tricampeão do mundo nas Copa de 1958, então com 17 anos, 1962 e 1970, cujo time é apontado como o melhor de todos os tempos. Nenhum outro ganhou tantos Mundiais. Nenhum outro foi como ele.
Sua vida, vasculhada a cada aniversário ou comemoração de marcas importantes, vinha à tona por ângulos diferentes, novas entrevistas e inúmeras lembranças. Sempre sob o olhar apaixonado de seus seguidores. Pelé não deixava nenhum fã sem sorriso ou autógrafo. Em 2019, ele se reuniu em sua sala no Museu Pelé, em Santos, cidade que escolheu para morar e terminar seus dias, com jornalistas brasileiros e estrangeiros para festejar os 50 anos do gol 1.000. Atendeu a todos com paciência, sem pausa e sem se recusar a responder qualquer pergunta. Assim era o Rei.
Vida e obra
Pelé nasceu Edson Arantes do Nascimento, na cidade mineira de Três Corações, no dia 23 de outubro de 1940, filho de dona Celeste Arantes, que no dia 20 de novembro deste ano (2022) completou 100 anos, e de João Ramos do Nascimento, mais conhecido como seu Dondinho. Pelé nasceu no mesmo dia do Aviador e da Força Aérea Brasileira – remonta ao dia em que Santos-Dumont voou com o 14-Bis.
A família tinha vida simples. Pelé era um dos três filhos dos Arantes do Nascimento. Seu nome foi uma homenagem ao inventor da lâmpada, Thomas Edison. O pai era um grande jogador do futebol amador. Ele incentivou o garoto nos campinhos da cidade. Com apenas quatro anos, Edson se mudou com a família para Bauru, no interior de São Paulo, e lá ganhou o apelido que marcaria sua vida.
Quando brincava no gol, a cada defesa que fazia, gritava o nome de Bilé, em referência ao goleiro do São Lourenço, time mineiro em que seu pai jogava. A proximidade sonora e o erro na fala fizeram com que os amigos passassem a chamá-lo de Pelé. Bilé virou Pelé. O pequeno Edson não gostava da gozação e por isso mesmo o apelido pegou. O mundo conhece essas quatro letras desde então. E agora chora sua morte.
Em 1956, Pelé fez sua estreia no profissional. Marcou um gol na goleada por 7 a 1 no amistoso com o Corinthians de Santo André. Em pouco tempo, o novato já era titular. No ano seguinte, estreou com a camisa da seleção brasileira, quando novamente deixou sua marca logo de cara, na derrota por 2 a 1 para a Argentina, pela Copa Roca. O Santos e a seleção mudaram a vida de Pelé, e ele mudou a história do time da Baixada e do escrete nacional. Pelé mudou o futebol: Antes de Pelé, Depois de Pelé.
Estreia na Copa de 1958
Pelé sempre brilhou em estreias. Essa condição o acompanhou em sua primeira Copa do Mundo, em 1958, na Suécia, quando tinha 17 anos apenas. Era um moleque franzino e de cabelo estilo reco, raspado nas laterais. O presidente do Brasil era Juscelino Kubitschek. Tudo na sua vida foi precoce. Num ano ele estava no Santos. No outro, fazia sua primeira partida pela seleção. E na temporada seguinte, lá estava Pelé em um Mundial da Fifa. Ele foi destaque na equipe brasileira em sua primeira conquista, aquela que abriu caminho para as outras quatro. Foi comandado pelo técnico Vicente Feola e esteve ao lado de lendas como Garrincha, Zagallo, Bellini e Vavá. Pelé fez um dos gols mais bonitos do torneio na final contra a Suécia, com vitória por 5 a 2.
Na Copa do Mundo do Chile, quatro anos mais tarde, Pelé já não era mais aquele menino desconhecido em meio a jogadores formados. Pelé já era Pelé. Todos queriam vê-lo jogar. Sua lenda corria o mundo com as cores do Santos, que fazia muitas excursões, e da seleção campeã do mundo, mas ainda estava longe de ser uma celebridade como se tornaria mais tarde. Mas ele se machucou na segunda apresentação do Brasil naquele Mundial. Então, sob o comando de Garrincha, a seleção chegou ao bicampeonato. Pelé e Garrincha nunca perderam um jogo juntos.
Homem e deus
Com tanto sucesso, ele deixava de ser meramente um jogador de futebol para se tornar uma lenda. Campanhas de publicidade, músicas gravadas com grandes artistas e até participações em filmes e novelas passaram a fazer parte da rotina de Pelé entre um treino e outro. Casou três vezes. Tudo na sua vida era um grande acontecimento, desde o primeiro casamento com Rosimere dos Reis Cholbi ao nascimento dos filhos. Depois namorou com Xuxa, ícone da televisão brasileira. Onde ia, Pelé arrastava multidões. Acertou e fracassou em negócios fora de campo, virou garoto-propaganda de marcas importantes e nunca deixou seu nome desaparecer. Sua lenda vai correr o mundo para sempre.
Em campo, manteve sua qualidade até o fim. Pelé seguia o enredo de liquidar com os rivais e aumentar sua coleção de vitórias, conquistas e gols. Nunca teve outro objetivo a não ser ganhar o jogo. Os companheiros contam que ele chegava a dormir no vestiário antes das partidas. Diziam que Pelé sonhava com as jogadas. Quando isso acontecia, era vitória na certa. Em 1969, no Maracanã, contra o Vasco, ele fez seu milésimo gol. Foi um acontecimento. O povo brasileiro perseguiu a façanha por semanas. E tinha de ser de bola parada, em cobrança de pênalti, para o mundo ver, e no palco maior do futebol nacional, o Maracanã. Agora Pelé está morto.
Mas foi na Copa do Mundo de 1970, no México, que sua vida ganharia contornos épicos. Depois do fiasco brasileiro no Mundial de 1966, quando se machucou novamente, Pelé foi o destaque daquela que é considerada por muitos a melhor seleção de todos os tempos. Ele fez da Copa de 70 a pincelada final de sua obra. Após viajar para o México sob desconfiança, conduziu o time ao tricampeonato. Tinha 29 anos. Já era chamado de Rei. Sabia que aquela seria sua última Copa e fez com que todos comprassem sua ideia de se despedir com mais uma conquista. Pelé foi homem e deus ao mesmo tempo, não se sabe até hoje em qual ordem. O homem está morto. O deus viverá para sempre.
Após o tri
Pelé se despediu da seleção um ano depois, em 1971, e do Santos logo em seguida, em 1974, mas ainda teria mais um desafio. Em 1975, aceitou convite do Cosmos de Nova York para reforçar a equipe e popularizar o futebol nos Estados Unidos. Tornou-se campeão americano de soccer em 1977, ano de sua aposentadoria definitiva. Descalçava as chuteiras para vestir os ternos. Assim, tornou-se ministro dos esportes no governo Fernando Henrique Cardoso. Assinou uma lei tão ou mais importante do que seus gols: a Lei Pelé, que libertava os jogadores das amarras contratuais dos clubes. Era o fim do passe e o começo dos direitos dos atletas.
Mesmo aposentado no fim dos anos 70, o futebol nunca sairia de sua vida. Pelé tornou-se presença frequente em jogos do Santos, programas televisivos e campanhas publicitárias, sempre apoiado pelo carisma e apelo popular. Viajou o mundo para levar sua marca e as marcas que o patrocinava. Chegou a se envolver em polêmicas familiares e discussões públicas com desafetos, como Maradona e Romário, mas nada que não se resolvesse com o tempo. Foi gentil ao mandar flores na morte do argentino, quem mais perto esteve de sua coroa. Disse ter perdido um amigo quando Diego morreu em novembro de 2020. Dois anos depois, chegou a sua hora. Ele deixa esse mundo com uma única certeza, de que seu nome será cultuado para sempre. O Brasil perde seu Rei. Pelé está morto.