Os danos da judicialização da política

By | 02/02/2023 7:03 am

Admitindo a culpa dos partidos na judicialização da política, Lula pediu que parem com a prática. É preciso respeitar o jogo democrático. A política não pode ser decidida no Judiciário

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, em 02/02/2023)

 

Imagem ex-libris

No dia 27 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos líderes de partidos da base aliada do governo para que deixem de “judicializar a política”. E reconheceu: “Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”.

Essa frase de Lula precisa ser emoldurada, para ser recordada e cobrada muitas vezes. Nos últimos anos tem havido, por parte de muitos partidos – com destaque para as legendas de esquerda, mas não apenas elas –, uma insistente tentativa de recorrer ao Judiciário para reverter derrotas políticas. O tema é muito sério, interferindo no funcionamento do Estado Democrático de Direito.

“É preciso parar com esse método de fazer política”, disse Lula. “Isso faz o Poder Judiciário adentrar o Poder Legislativo e ficar legislando no lugar do Congresso Nacional”, admitiu.

É certo que o próprio Judiciário tem parcela de responsabilidade pelo fenômeno da judicialização da política. A rigor, os tribunais – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) – deveriam rejeitar de pronto demandas judiciais envolvendo assuntos políticos, sob o argumento de que, em razão do princípio constitucional da separação dos Poderes, não dispõem de competência para julgar esse tipo de causa. Nesse sentido, é preciso insistir, sem cansaço, na importância de que a Justiça respeite conscienciosamente suas atribuições constitucionais.

No entanto, como a Constituição de 1988 é ampla e sempre há interpretações judiciais pretendendo estender ainda mais o alcance das normas constitucionais, é fundamental que a própria política – em especial, os partidos e as lideranças parlamentares – deixe de bater à porta do Judiciário para que este decida os embates políticos. Não faz nenhum sentido que parlamentares submetam a juízes matérias cuja resolução é de competência do Congresso. Agindo assim, deputados e senadores, que deveriam ser os primeiros a defender as prerrogativas do Legislativo, atropelam eles mesmos as atribuições de suas respectivas Casas.

No pedido de Lula para que seus aliados parem de judicializar a política, há um aspecto especialmente significativo. O presidente da República não diz que essa prática tem sido ineficaz – no sentido de que o Judiciário não estaria dando ganho de causa a esses pleitos que tentam reverter derrotas políticas – e, portanto, seria melhor parar com ela. O problema ocorre justamente quando a tática funciona – quando a Justiça dá provimento a essas demandas –, o que acarreta uma diminuição do espaço da política, com os tribunais “legislando no lugar do Congresso Nacional”, como disse Lula.

Longe de ser um modo a mais de fazer política, a conversão de disputas políticas em demandas judiciais representa, no limite, a morte da própria política. Quando as legendas usam o Judiciário para sua agenda política, elas estão dizendo que a representação popular é inapta para resolver aquelas questões apresentadas aos tribunais, como se bastasse, para sua resolução, o voto de juízes.

Em levantamento do Estadão no meio do mandato de Bolsonaro, constatou-se que as maiores derrotas sofridas até então pelo governo no STF eram decorrência de ações propostas por partidos políticos. Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso, o que indicava mais um desequilíbrio do sistema partidário. Com a judicialização da política, legendas nanicas desfrutavam de um status jurídico incompatível com sua representação. Na ocasião, o partido com maior êxito no Supremo contra o Palácio do Planalto era a Rede, que tinha uma deputada federal e dois senadores.

Já lembramos neste espaço, no editorial A judicialização da política (25/1/21), que o poder emana do povo, e não de táticas jurídicas. Em vez de fazer jus ao mandato que recebeu do eleitor, o parlamentar o desmerece sempre que vai à Justiça para buscar os votos que foi incapaz de obter no confronto político.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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