Essa frase de Lula precisa ser emoldurada, para ser recordada e cobrada muitas vezes. Nos últimos anos tem havido, por parte de muitos partidos – com destaque para as legendas de esquerda, mas não apenas elas –, uma insistente tentativa de recorrer ao Judiciário para reverter derrotas políticas. O tema é muito sério, interferindo no funcionamento do Estado Democrático de Direito.
“É preciso parar com esse método de fazer política”, disse Lula. “Isso faz o Poder Judiciário adentrar o Poder Legislativo e ficar legislando no lugar do Congresso Nacional”, admitiu.
É certo que o próprio Judiciário tem parcela de responsabilidade pelo fenômeno da judicialização da política. A rigor, os tribunais – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) – deveriam rejeitar de pronto demandas judiciais envolvendo assuntos políticos, sob o argumento de que, em razão do princípio constitucional da separação dos Poderes, não dispõem de competência para julgar esse tipo de causa. Nesse sentido, é preciso insistir, sem cansaço, na importância de que a Justiça respeite conscienciosamente suas atribuições constitucionais.
No entanto, como a Constituição de 1988 é ampla e sempre há interpretações judiciais pretendendo estender ainda mais o alcance das normas constitucionais, é fundamental que a própria política – em especial, os partidos e as lideranças parlamentares – deixe de bater à porta do Judiciário para que este decida os embates políticos. Não faz nenhum sentido que parlamentares submetam a juízes matérias cuja resolução é de competência do Congresso. Agindo assim, deputados e senadores, que deveriam ser os primeiros a defender as prerrogativas do Legislativo, atropelam eles mesmos as atribuições de suas respectivas Casas.
No pedido de Lula para que seus aliados parem de judicializar a política, há um aspecto especialmente significativo. O presidente da República não diz que essa prática tem sido ineficaz – no sentido de que o Judiciário não estaria dando ganho de causa a esses pleitos que tentam reverter derrotas políticas – e, portanto, seria melhor parar com ela. O problema ocorre justamente quando a tática funciona – quando a Justiça dá provimento a essas demandas –, o que acarreta uma diminuição do espaço da política, com os tribunais “legislando no lugar do Congresso Nacional”, como disse Lula.
Longe de ser um modo a mais de fazer política, a conversão de disputas políticas em demandas judiciais representa, no limite, a morte da própria política. Quando as legendas usam o Judiciário para sua agenda política, elas estão dizendo que a representação popular é inapta para resolver aquelas questões apresentadas aos tribunais, como se bastasse, para sua resolução, o voto de juízes.
Em levantamento do Estadão no meio do mandato de Bolsonaro, constatou-se que as maiores derrotas sofridas até então pelo governo no STF eram decorrência de ações propostas por partidos políticos. Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso, o que indicava mais um desequilíbrio do sistema partidário. Com a judicialização da política, legendas nanicas desfrutavam de um status jurídico incompatível com sua representação. Na ocasião, o partido com maior êxito no Supremo contra o Palácio do Planalto era a Rede, que tinha uma deputada federal e dois senadores.
Já lembramos neste espaço, no editorial A judicialização da política (25/1/21), que o poder emana do povo, e não de táticas jurídicas. Em vez de fazer jus ao mandato que recebeu do eleitor, o parlamentar o desmerece sempre que vai à Justiça para buscar os votos que foi incapaz de obter no confronto político.