O mau combate à corrupção

By | 02/02/2023 7:07 am

Na última década, avanços legais e conquistas da Justiça no combate à corrupção foram dilapidados por abusos nos âmbitos político e judiciário em nome, ora vejam, do ‘combate à corrupção’

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, 02/02/2023)

 

Imagem ex-libris

Escorada em seu Índice de Percepção da Corrupção (IPC), a ONG Transparência Internacional aponta que o Brasil teve uma “década perdida” no combate à corrupção. Em certa medida, foi pior: uma década de retrocesso. Entre 2012 e 2022, ainda que a pontuação do País tenha ficado relativamente estagnada, variando de 43 para 38 pontos, o Brasil caiu da 69.ª posição para a 94.ª, ficando abaixo da média global (43 pontos), dos Brics (39), da América Latina (43) e bem abaixo dos 66 pontos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O resultado, a princípio, causa perplexidade. Afinal, houve avanços legais, como a incorporação de marcos internacionais contra a lavagem de dinheiro, a proibição de doações de campanha por empresas ou as Leis Anticorrupção e das Estatais. Ao mesmo tempo, a Justiça desbaratou megaesquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão.

Mas esses avanços nos âmbitos político e judiciário foram neutralizados por abusos nos âmbitos político e judiciário: a contraofensiva do sistema imunológico das corporações patrimonialistas no Legislativo, os desvios de governos populistas de esquerda, em nome da “justiça social”, ou de direita, em nome da “lei e da ordem”, e, não menos importante, da Justiça, em nome da “democracia” e do próprio “combate à corrupção”.

O resultado do IPC “reflete o desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o País havia levado décadas para construir”, avalia a Transparência Internacional. “Junto com o retrocesso na capacidade de enfrentamento da corrupção, o Brasil sofreu degradação sem precedentes de seu regime democrático.”

São fenômenos interligados. Analisando os últimos dois anos, a Transparência Internacional acusa as omissões do procurador-geral da República; a atuação do então presidente Jair Bolsonaro para debilitar órgãos de controle e ocultar dados públicos; a disseminação de notícias falsas turbinada por ele e seus correligionários; e “heterodoxias” processuais encampadas pela Suprema Corte ante ameaças às instituições republicanas. O grande destaque foi para o orçamento secreto mancomunado entre o Executivo e o Legislativo, que não só “perverteu a formulação de políticas públicas” em áreas como saúde, educação e assistência social, mas, “ao jorrar bilhões para municípios sem capacidade institucional de controle, pulverizou ainda mais a corrupção, potencializando fraudes e desvios em nível local”.

Como o bolsonarismo, o lulopetismo sempre consagrou a ética em seus discursos eleitoreiros. Na prática, ambos manobraram para enfraquecer os mecanismos de controle ao seu arbítrio e concentração do poder. O aparelhamento do Estado, que criou um ambiente fértil a todo tipo de corrupção, desvios de recursos públicos e uso do poder estatal para fins privados, foi consequência direta da ideia de Estado onipresente e desenvolvimentista do PT, assim como de uma concepção política infensa ao diálogo, mas aberta às mais espúrias negociatas em troca de apoio. Até hoje o PT justifica os crimes em sua gestão como uma espécie de “corrupção do bem” em nome da governabilidade, como a dizer “rouba, mas faz justiça social”.

A ideia de que os fins justificam os meios grassou na própria Justiça. A Lava Jato criou um legado inestimável ao mostrar que a lei vale para todos, até para as oligarquias no poder. Mas o lavajatismo dilapidou esse legado. Excitando no imaginário popular a ideia de que a corrupção é a raiz de todos os males e que tudo vale para erradicá-la, a operação arrogou-se prerrogativas de uma instituição paralela, lançando mão de todo tipo de abuso e espetacularização do processo legal numa cruzada messiânica pela purificação de um sistema político supostamente podre da raiz aos frutos, sem exceções.

Assim, em nome do “combate à corrupção”, a judicialização da política e a politização da justiça vêm se retroalimentando, criando círculos viciosos que se entrelaçaram como engrenagens de uma máquina perniciosa que desmoraliza a política e a Justiça e faz o País retroceder no combate à corrupção.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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