Por tática política ou capricho, o presidente Lula da Silva transformou o Banco Central (BC) – em particular o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto – no inimigo público número 1 do crescimento econômico e, consequentemente, do “povo brasileiro”. Lula passou a liderar uma cruzada contra o BC após o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir, na semana passada, manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, o que desagradou ao Palácio do Planalto.
A retórica belicosa de Lula contra o BC, uma instituição independente do Poder Executivo por força da Constituição, convém lembrar, assemelha-se muito ao discurso que era adotado por seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro, para contestar decisões derivadas da autonomia funcional de instituições que estão fora da esfera de influência direta da Presidência da República.
Como esquecer, por exemplo, dos ataques de Bolsonaro à autonomia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em alguns dos momentos mais dramáticos da pandemia de covid-19 no País? Como esquecer também os resultados da desabrida campanha de Bolsonaro contra instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral?
Lula e muitos de seus apoiadores podem até ficar sentidos com a comparação, mas a realidade é implacável: o petista e Bolsonaro, em que pesem as muitas diferenças que há entre um e outro, convergem numa incompreensão da legitimidade que lhes foi conferida pela supremacia da vontade popular para governar o País. Nos ataques de Lula ao BC subjaz essa irresignação com o fato de que o presidente da República pode muito, mas não pode tudo.
Durante os últimos quatro anos, Bolsonaro disse e cometeu os maiores absurdos afirmando que estava apenas fazendo aquilo que o “povo escolheu nas urnas”. Na abertura da reunião com o Conselho Político da Coalizão, um grupo formado pelos presidentes dos partidos políticos e outras lideranças que integram a base de apoio do governo, Lula, a pretexto de justificar suas críticas ao BC e à política monetária, afirmou que “não tem de pedir licença para governar” e que o governo tem de “tentar fazer aquilo que foi o propósito pelo qual ganhamos a eleição”.
Ora, ninguém em sã consciência haveria de achar que o presidente Lula teria mesmo de “pedir licença” para governar o País. Uma coisa, no entanto, é ter o direito e mesmo o dever de implementar a agenda vencedora nas urnas; outra, muitíssimo distinta, é tentar deslegitimar as instituições que, com ou sem voto popular, são tão democráticas quanto a Presidência da República e que integram a arquitetura que sustenta a República.
O arranjo institucional estabelecido pela Constituição de 1988, tão atacado por Bolsonaro não apenas durante seu trevoso mandato presidencial, mas ao longo de toda sua trajetória de quase três décadas de vida parlamentar, parece desagradar também ao presidente Lula. Na lógica lulopetista (e bolsonarista), quando a independência funcional de instituições como o BC vai de encontro aos interesses do governante de turno, ela é ruim para o País e tem de ser revista; quando se coaduna com os desígnios do chefe do Poder Executivo, é boa e deve ser preservada. Ora, não é assim que se opera em uma República democrática. A Constituição não se molda aos humores de nenhum governante.
O curioso é que a loquacidade de Lula tem sido contemporizada por alguns de seus interlocutores mais próximos, assim como fizeram muitos auxiliares diretos de Bolsonaro por ocasião de suas diatribes. Enquanto o presidente Lula pressiona o BC e fustiga publicamente Campos Neto, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad; da Casa Civil, Rui Costa; e de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, põem panos quentes e só falta dizerem que o que Lula fala não deve ser levado a sério. Padilha foi o mais enfático ao declarar, no dia 8 passado, que o governo “reafirma” não haver “qualquer discussão” para alterar o status do BC no que concerne à sua autonomia.
O que pretende Lula, então? Passar os próximos 22 meses brigando publicamente com Campos Neto para forçá-lo a deixar o cargo? Ou trabalhar pela construção e aprovação de medidas econômicas que levem à queda natural e sustentada da taxa de juros no País?