Presidente da República chegou a classificar a autonomia do BC formalizada em lei como ‘bobagem’; um dos principais objetivos da autonomia é blindar a autarquia contra interferências políticas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito críticas nas últimas semanas à autonomia do Banco Central (BC) e à condução da política monetária pelo órgão. Aliados do petista, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, endossaram as críticas, e o partido quer convocar o presidente do BC, Roberto Campos Neto, para explicar a política de juros.
Lula chegou a classificar a autonomia da autarquia federal como uma “bobagem”. Para o presidente, a autonomia formalizada em lei não traria benefícios pois ele afirma que já promovia a independência do BC durante seus dois primeiros mandatos, mesmo sem uma obrigação legal. Mas, afinal, o que é a autonomia do BC?
De modo geral, a autonomia do BC significa liberdade para tomar decisões acerca da política monetária sem pressões ou interferências do governo, o que contribui para uma maior transparência e mais credibilidade para o órgão, diz Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação para investidores.
“A autonomia do Banco Central foi uma conquista muito grande para o País, porque assim o órgão tem a independência de tomar as decisões que forem necessárias para cumprir as suas metas. E sem que os governos tentem interferir para tentar se beneficiar em termos de popularidade, pressionando por decisões que trazem efeitos nocivos para a economia”, explica.
A autonomia do Banco Central foi estabelecida por lei apenas em 2021, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre outros pontos, ela estabeleceu mandatos fixos para o presidente e para os diretores da autarquia federal, além de regras mais rígidas para a admissão e demissão desses dirigentes. Os nomes são indicados pelo presidente da República e devem ter aprovação do Senado.
A lei determinou ainda que o presidente do BC deverá apresentar ao Senado, com arguição pública, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira a cada semestre, explicando as decisões tomadas no período anterior. O BC também passou a ser classificado como uma autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica” – até então, o BC era vinculado ao antigo Ministério da Economia.
Segundo o próprio Banco Central, a autonomia tem como uma das principais funções separar o ciclo político do ciclo de política monetária. “Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo, por conta da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto”, afirmou o BC, em nota publicada em 2021, em meio à aprovação da lei da autonomia do órgão no Congresso.
Ainda de acordo com o BC, um maior grau de autonomia está associado a níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação, contribuindo para a estabilidade do sistema financeiro, promovendo maior credibilidade ao BC e permitindo à instituição “buscar seus objetivos, estabelecidos em lei e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de maneira técnica, objetiva e imparcial”. A autarquia aponta ainda que a autonomia reduz a instabilidade econômica em períodos de transição de governo e alinha o BC às melhores práticas internacionais.
Ao responder as críticas de Lula, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a autonomia formalizada em lei ajuda a diminuir a volatilidade do mercado. “Olhando para o Brasil, vemos que o mercado seria muito mais volátil se não houvesse a independência em lei. Seria uma questão que adicionaria mais volatilidade na curva longa de juros”, disse, em palestra realizada em janeiro na UCLA Anderson School of Management.
A avaliação, portanto, é de que a autonomia traz uma maior credibilidade frente ao mercado financeiro. “Além de blindar o Banco Central dessas pressões políticas, que podem existir em qualquer país do mundo, a autonomia resulta também em outros benefícios, como ancoragem das expectativas e redução da volatilidade, por sabermos que é um agente econômico independente, que vai fazer o que é necessário para trazer a economia para o eixo”, conclui Ricardo Jorge, da Quantzed.
Comentário nosso
O simples fato de incomodarem aos políticos, justifiva a automonia de determinados órgãos governamentais. É o caso do Banco Central e das agências reguladoras. “Agência reguladora é uma pessoa jurídica de direito público interno, geralmente constituída sob a forma de autarquia especial ou outro ente da administração indireta, cuja finalidade é regular e/ou fiscalizar a atividade de determinado setor da economia de um país, a exemplo dos setores de energia elétrica, telecomunicações, produção e comercialização de petróleo, recursos hídricos, mercado audiovisual, planos e seguros de saúde suplementar, mercado de fármacos e vigilância sanitária, aviação civil, transportes terrestres ou aquaviários etc.” Entre outras menos conhecidas temos as seguintes agências reguladoras: ANEEL, ANATEL, ANVISA, ANA E PETROBRÁS. Em comum com o Banco Central elas têm o fato de terem uma natureza especial. Segundo a lei LEI Nº 13.848, DE 25 DE JUNHO DE 2019, em seu artigo 3º, “A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação.” Ou seja, os seus dirigentes não podem ser exonerados pelo Presidente da República, tendo que cumprir o seu mandato até o fim, o que os torna imunes a pressão para modificarem as suas decisões, o que está acontecendo agora com o Banco Central, a quem Lula tentou forçar a modificar a taxa de juros que é determinada pelo COPOM (Conselho de Política Monetária), órgão vinculado ao Banco Central. Um caso exemplar é o que aconteceu com a ANVISA, durante a PANDEMIA. A ANVISA divergia das tentativas de Bolsonaro de impor as suas barbaridades com relação à condução do combate à pandemia, mas a ANVISA sustentou as suas posições baseadas na orientações científicas, justamente por que Bolsonaro não poderia demitir os seus dirigentes. (LGLM)