Investigações da PF mostram que o governo terá de fazer bem mais do que retirar garimpeiros da floresta se quiser acabar com os garimpos clandestinos na Amazônia
(OPINIÃO DO ESTADÃO, 20/02/2023)
O combate ao garimpo ilegal na Amazônia vai exigir mais do que a retirada de milhares de garimpeiros de terras indígenas e de outros locais explorados irregularmente. Operações da Polícia Federal (PF) têm jogado luz sobre uma face menos visível dessa realidade que chocou o mundo após a divulgação de imagens da crise humanitária que aflige o povo Yanomami, em Roraima. Por trás dos milhares de garimpeiros que atuam na floresta, organizações criminosas movimentam quantias bilionárias e criam estruturas sofisticadas para regularizar o ouro extraído ilegalmente. O governo terá de agir contra elas se quiser resolver o problema.
Como noticiou o Estadão, a Polícia Federal investiga um esquema de contrabando que pode ter movimentado 13 toneladas de ouro extraídas de garimpos ilegais desde 2020 na Amazônia Legal. Uma fortuna avaliada em R$ 4 bilhões. Vale notar que o alerta partiu da Receita Federal, já que a quadrilha utilizava empresas de fachada para legalizar o produto com a emissão de notas frias. A PF acredita que o ouro, por fim, era exportado para destinos como Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos. Eis a dimensão de um esquema criminoso que não se limita a rios e matas da Amazônia.
O garimpo ilegal, assim como outros crimes ambientais, envolve atores a milhares de quilômetros da floresta. Não surpreende que a Operação Sisaque, deflagrada pela PF e pelo Ministério Público Federal nos últimos dias, com foco em garimpos no Pará, tenha cumprido mandados de prisão e de busca e apreensão no Distrito Federal e em seis Estados, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, os agentes estiveram na capital, em Tatuí e em Campinas, onde apreenderam R$ 100 mil em espécie. A Justiça Federal, por sua vez, autorizou o bloqueio de mais de R$ 2 bilhões dos investigados.
Valores tão expressivos dão pistas sobre a origem de recursos para bancar garimpos clandestinos − uma atividade que requer maquinário e logística muito além da capacidade de financiamento de quem se embrenha na mata atrás de ouro. Daí a importância de que a ação do governo para retirar garimpeiros da Terra Indígena Yanomami seja acompanhada de permanente vigilância contra as quadrilhas que lucram com o ouro ilegal. Não só agora, quando o tema está em evidência no Brasil e no exterior, mas futuramente. Do contrário, será alto o risco de retrocesso.
A propósito, a Operação Avis Aurea, dedicada a reprimir a extração de ouro na área dos Yanomamis, também cumpriu mandados de busca e apreensão nos últimos dias. O alvo, como informou o Estadão, foi uma organização criminosa que agia havia cinco anos em Roraima, com ramificações em São Paulo e Goiás. Entre os suspeitos, há empresários, advogados e um servidor público. O grupo contava com a colaboração de um funcionário de companhia aérea acusado de despachar o produto em voos comerciais. Sem dúvida, os garimpeiros estão na linha de frente da atividade ilegal. Mas há gente graúda ganhando bem mais que eles com isso.
Em entrevista à Rádio Eldorado, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, atual presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), apresentou um outro dado alarmante: metade do ouro extraído anualmente no Brasil vem de garimpos clandestinos localizados em unidades de conservação, incluindo terras indígenas. O problema reflete uma falha da Lei 12.844/2013, que autoriza a comercialização do metal com base no princípio da boa-fé. Sim, desde 2013, basta uma declaração de que o produto tem origem legal e pronto: a venda pode ser feita, mesmo que o ouro tenha sido extraído irregularmente.
Tamanho equívoco resulta de emenda apresentada à época pelo deputado federal Odair Cunha (PT-MG), em lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff. Agora o atual governo pretende corrigir o erro e prepara nova regulamentação, segundo informou o Valor − algo a ser feito com a máxima urgência. O garimpo ilegal ganhou força desmedida nos últimos anos. É hora de cortar seus tentáculos.