Tentáculos do ouro ilegal

By | 20/02/2023 7:58 am

Investigações da PF mostram que o governo terá de fazer bem mais do que retirar garimpeiros da floresta se quiser acabar com os garimpos clandestinos na Amazônia

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, 20/02/2023)

 

Imagem ex-libris

O combate ao garimpo ilegal na Amazônia vai exigir mais do que a retirada de milhares de garimpeiros de terras indígenas e de outros locais explorados irregularmente. Operações da Polícia Federal (PF) têm jogado luz sobre uma face menos visível dessa realidade que chocou o mundo após a divulgação de imagens da crise humanitária que aflige o povo Yanomami, em Roraima. Por trás dos milhares de garimpeiros que atuam na floresta, organizações criminosas movimentam quantias bilionárias e criam estruturas sofisticadas para regularizar o ouro extraído ilegalmente. O governo terá de agir contra elas se quiser resolver o problema.

Como noticiou o Estadão, a Polícia Federal investiga um esquema de contrabando que pode ter movimentado 13 toneladas de ouro extraídas de garimpos ilegais desde 2020 na Amazônia Legal. Uma fortuna avaliada em R$ 4 bilhões. Vale notar que o alerta partiu da Receita Federal, já que a quadrilha utilizava empresas de fachada para legalizar o produto com a emissão de notas frias. A PF acredita que o ouro, por fim, era exportado para destinos como Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos. Eis a dimensão de um esquema criminoso que não se limita a rios e matas da Amazônia.

O garimpo ilegal, assim como outros crimes ambientais, envolve atores a milhares de quilômetros da floresta. Não surpreende que a Operação Sisaque, deflagrada pela PF e pelo Ministério Público Federal nos últimos dias, com foco em garimpos no Pará, tenha cumprido mandados de prisão e de busca e apreensão no Distrito Federal e em seis Estados, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, os agentes estiveram na capital, em Tatuí e em Campinas, onde apreenderam R$ 100 mil em espécie. A Justiça Federal, por sua vez, autorizou o bloqueio de mais de R$ 2 bilhões dos investigados.

Valores tão expressivos dão pistas sobre a origem de recursos para bancar garimpos clandestinos − uma atividade que requer maquinário e logística muito além da capacidade de financiamento de quem se embrenha na mata atrás de ouro. Daí a importância de que a ação do governo para retirar garimpeiros da Terra Indígena Yanomami seja acompanhada de permanente vigilância contra as quadrilhas que lucram com o ouro ilegal. Não só agora, quando o tema está em evidência no Brasil e no exterior, mas futuramente. Do contrário, será alto o risco de retrocesso.

A propósito, a Operação Avis Aurea, dedicada a reprimir a extração de ouro na área dos Yanomamis, também cumpriu mandados de busca e apreensão nos últimos dias. O alvo, como informou o Estadão, foi uma organização criminosa que agia havia cinco anos em Roraima, com ramificações em São Paulo e Goiás. Entre os suspeitos, há empresários, advogados e um servidor público. O grupo contava com a colaboração de um funcionário de companhia aérea acusado de despachar o produto em voos comerciais. Sem dúvida, os garimpeiros estão na linha de frente da atividade ilegal. Mas há gente graúda ganhando bem mais que eles com isso.

Em entrevista à Rádio Eldorado, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, atual presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), apresentou um outro dado alarmante: metade do ouro extraído anualmente no Brasil vem de garimpos clandestinos localizados em unidades de conservação, incluindo terras indígenas. O problema reflete uma falha da Lei 12.844/2013, que autoriza a comercialização do metal com base no princípio da boa-fé. Sim, desde 2013, basta uma declaração de que o produto tem origem legal e pronto: a venda pode ser feita, mesmo que o ouro tenha sido extraído irregularmente.

Tamanho equívoco resulta de emenda apresentada à época pelo deputado federal Odair Cunha (PT-MG), em lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff. Agora o atual governo pretende corrigir o erro e prepara nova regulamentação, segundo informou o Valor − algo a ser feito com a máxima urgência. O garimpo ilegal ganhou força desmedida nos últimos anos. É hora de cortar seus tentáculos.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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