Notícias falsas são tão velhas quanto as notícias. Até mais. A manipulação da informação é antiga como a humanidade, mas os padrões de integridade do jornalismo datam de algumas décadas. Nosso cérebro é excitável por tudo aquilo que é extraordinário, e por isso os humanos são atraídos à falsidade como moscas à luz. “Uma mentira pode correr o mundo, enquanto a verdade está calçando suas botas”, teria dito Mark Twain. A diferença é que hoje ela é impulsionada por batalhões de robôs.
Há amplas evidências, anedóticas e científicas, de que as redes contribuem para a deterioração mental de adolescentes e para a polarização política. Não que sejam como veneno de rato, sempre tóxicas. São mais como o álcool: consumido com temperança, dá sabor à vida. Em excesso, é destrutivo para si e os outros.
A digitalização acelerada pela pandemia potencializou os benefícios, mas também os danos das redes. Por isso, autoridades no mundo inteiro respondem à ansiedade dos cidadãos buscando regulá-las. A Unesco divisou cinco diretrizes: as plataformas devem conter políticas de governança e práticas consistentes com os direitos humanos; ser transparentes; empoderar os usuários; ser responsabilizáveis; e contar com uma supervisão independente. São princípios irretocáveis. A questão é como implementá-los.
No Brasil, o Marco Civil da Internet (2014), apoiando-se em três pilares – a neutralidade, a liberdade de expressão e a proteção à privacidade –, deu um passo histórico rumo a uma rede, nas palavras de Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, “aberta, neutra e descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e inovação”.
Desde 2020, o Congresso busca aprimorar esse arcabouço por meio do Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Apelidado PL das “Fake News”, ele vai além delas, abordando questões como o status jurídico das redes, veiculação e remuneração de conteúdo jornalístico, publicidade digital, privacidade e compartilhamento de dados e moderação de conteúdo. Aprovado no Senado, o PL passou por modificações na Câmara, e agora tramita em regime de urgência.
Boa parte do projeto foca em mecanismos elementares de transparência e responsabilização. As plataformas, por exemplo, serão obrigadas a ter representantes no Brasil e publicar relatórios divulgando métodos e procedimentos.
As redes terão a obrigação de remover e notificar conteúdos manifestamente ilegais, mas em relação a conteúdos tóxicos, porém ambíguos, como “desinformação” ou “discurso de ódio”, o projeto tem o mérito de focar mais na punição de comportamentos abusivos (como o uso de robôs e disparos em massa) do que na supressão de publicações. Também estabelece restrições para o uso por crianças e dá poder aos pais. De um modo geral, o projeto privilegia a autorregulação das redes, supervisionada por uma agência independente.
Os críticos acusam uma tramitação açodada em dispositivos que comportariam riscos à liberdade de expressão e aos modelos de negócios das plataformas. É possível que esses riscos existam. Mas, de um modo geral, o espírito do projeto é sadio e a urgência é justificada – vide o papel das redes nos atentados do 8 de Janeiro ou a escolas. Muitos problemas já foram solucionados ao longo de três anos; outros podem ser discutidos agora (depois da Câmara, o projeto voltará ao Senado); e certamente outros surgirão após a implementação da lei. Mas a urgência não elimina as discussões, ela preserva as que já ocorreram até agora e intensifica as que precisam ser feitas. Se a lei vier a pecar por excessos, a democracia tem todos os instrumentos para repará-los. O que não é tolerável é que as redes sociais continuem a ser uma terra sem lei.
Comentário nosso
Quem acompanha as redes sociais sabe quanta baixaria, quanta mentira, quanto acusação sem provas são postadas nestas redes. Há, certamente, grupos sérios onde acontecem debates construtivos, mas a maior parte das postagens tem origem de gente que não tem nenhum compromisso com a verdade e só quer aparecer de qualquer forma. Não se trata de censurar as postagens, mas de por ordem na participação, selecionando aquilo que é sério e que contribui para um debate construtivo. Uma mentira lançada nas redes sociais, dificilmente será desmentida totalmente por maior esforço que se faça, como acontece em qualquer forma de comunicação. Lembramos a velha história da mulher que foi se confessar porque levantara um falso contra uma vizinha. Ao pedir que a absolvesse, o padre lhe entregou um travesseiro de penas e mandou que ela subisse na torre da igreja e espalhasse as penas ao vento. Depois descesse e fosse recolher as penas que o vento espalhara. Estaria perdoada quando conseguir recolher todas as penas que lançara ao vento e este havia espalhado. (LGLM)