Golpismo como estado de espírito

By | 11/05/2023 8:05 am

É de estarrecer a banalidade com que se tramou um golpe de Estado no Brasil quando ficou evidente que a vontade popular não se alinhava com o projeto pessoal de poder de Bolsonaro

 

(Editorial do Estadão, em 11/05/2023)

 

Imagem ex-libris

Golpismo era um estado de espírito no governo de Jair Bolsonaro. Durante quatro anos, a democracia esteve sob risco concreto no País. Trata-se de um fato, não de uma opinião. Nos últimos dias, para surpresa de ninguém, surgiram novas evidências de que o bolsonarismo estava disposto a promover um levante militar destinado a impedir a posse de Lula da Silva, eleito legitimamente para a Presidência da República.O avanço de uma investigação da Polícia Federal (PF) para apurar a suspeita de fraude na emissão do certificado de vacinação contra a covid de Bolsonaro só adicionou insulto à injúria. Mensagens que constam nesse inquérito, tornadas públicas, revelam quão desabridas foram as tramoias dos bolsonaristas contra o resultado das urnas.

Em uma dessas conversas, o coronel Élcio Franco Filho, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, tratou de como “organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens” para uma tentativa de golpe de Estado com o major Ailton Barros, um delinquente que é tratado por Bolsonaro como “segundo irmão”. O plano mirabolante não foi adiante porque, como o próprio Franco deixou explícito, não tinha o menor respaldo do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. “O Freire não vai”, disse o coronel golpista, “você não vai esperar dele que tome à frente nesse assunto (a tentativa de golpe)”.

O desassombro com que bolsonaristas tramam um golpe não seria possível sem a inspiração de Bolsonaro, que, se não participou diretamente das articulações, algo que ainda resta ser provado, tampouco as desestimulou. A bem da verdade, Bolsonaro empenhou-se, ao longo de todo o seu mandato, em criar o clima em que tais conspirações fossem naturais. Todos os que articularam o levante o fizeram, sem sombra de dúvida, em nome de Bolsonaro.

A banalidade da sedição já havia ficado clara quando Valdemar Costa Neto, o notório chefão do PL, partido de Bolsonaro, confessou com espantosa tranquilidade que recebeu “várias propostas” de golpe de Estado, “tudo fora da lei”, para “tirar o Lula do governo”. Segundo Valdemar, vale lembrar, “na casa de todo mundo” havia documentos semelhantes à minuta do decreto, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que serviria para dar um verniz de legalidade ao golpe.

Se ainda não é possível imputar a Bolsonaro, criminalmente, ação ou omissão inequívoca para tentar abolir o Estado Democrático de Direito, não há a menor dúvida de que, do ponto de vista político, o ex-presidente é o maior responsável pelo golpismo latente – estimulado por seus discursos desrespeitosos às demais instituições, em particular ao Supremo Tribunal Federal, tratado por Bolsonaro como valhacouto de liberticidas, e às Forças Armadas, que o presidente pretendeu reduzir à condição de milícia pessoal.

A democracia afinal resistiu porque a sociedade civil reagiu à altura do descaramento de Bolsonaro para levar adiante seu plano golpista. Segundo, porque as instituições não se vergaram diante da maior ameaça ao Estado Democrático de Direito no Brasil desde o fim da ditadura militar. Por último, mas não menos importante, porque a majoritária ala legalista das Forças Armadas, absolutamente fiel à Constituição, não embarcou na loucura bolsonarista.

Sem prejuízo da responsabilização dos maus militares que desonraram a farda ao cerrar fileiras com um desqualificado como Bolsonaro em seus delírios de poder, ao fim e ao cabo, a firmeza das Forças Armadas em cumprir o papel que lhes foi atribuído pela Constituição matou no nascedouro as chances de sucesso de um golpe de Estado durante e após o governo Bolsonaro. Tanto foi assim que membros do Alto Comando do Exército e comandantes de tropas Brasil afora se tornaram alvos de pesadas ameaças e calúnias tão logo frustraram as expectativas de adesão nutrida pelos bolsonaristas insurgentes.

Essa reação cívico-institucional, é bom enfatizar, foi apenas a primeira parte da resposta do País ao golpismo estimulado por Bolsonaro. Haverá de chegar a hora da punição, dentro dos mais estritos limites legais – pois é assim que funciona na democracia que o bolsonarismo tanto despreza.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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