Noção infame de democracia do Telegram

By | 11/05/2023 7:07 am

Manifesto do Telegram expõe grave incompreensão sobre a democracia. Não há liberdade sem o império da lei. Regulamentar a internet não tem nada de antidemocrático

(Editorial do Estadão, 11/05/2023)

 

Imagem ex-libris

Há diversas dúvidas sobre a legalidade da campanha das plataformas digitais contra o PL 2.630/2020; por exemplo, se a inscrição num serviço de mensagens significaria também uma automática autorização para receber material de cunho político produzido pela empresa. De toda forma, nenhuma dessas questões – que merecem cuidadosa reflexão e, se for o caso, uma adequada responsabilização pelo Judiciário – justifica a decisão de ofício do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando a remoção de conteúdos críticos ao projeto de lei (ver o editorial O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/5).

Mas, além das discussões a respeito de sua legalidade, a mensagem enviada pelo Telegram a seus usuários explicita uma enorme confusão sobre aspectos básicos do Estado Democrático de Direito. Talvez aqui esteja o aspecto mais preocupante de toda essa história. Empresas globais, com enorme influência sobre a vida de tantas pessoas, estão difundindo uma compreensão rigorosamente equivocada da lei e das liberdades civis.

O texto do Telegram começa dizendo que “a democracia está sob ataque no Brasil”. Eis a visão dessa turma: a discussão pelo Congresso brasileiro sobre um marco jurídico para as plataformas digitais estaria colocando em risco o regime democrático no País. Nada menos. Trata-se de acintoso ataque às instituições nacionais e aos próprios brasileiros, que elegeram os parlamentares que analisam o PL 2.630/2020.

Sem pudor, o aplicativo de mensagem explicita que, para seus donos, democracia não é o que está disposto na Constituição, mas apenas e tão somente o que eles acham que é a democracia. No caso, o PL 2.630/2020 – que contraria seus interesses comerciais e amplia suas responsabilidades – é tachado imediatamente de antidemocrático.

Segundo o Telegram, o projeto de lei que amplia as responsabilidades das plataformas “matará a internet moderna”. Nessa advertência, há mais do que simples sentença dramática, com o objetivo de despertar o temor de seus usuários. Há a visão de que a internet demanda um território sem lei, sem limites, sem responsabilidades. Mais: há a compreensão de que a própria liberdade demandaria a menor presença possível da lei. Sob essa lógica, toda a legislação relativa à internet deve ser a mais frouxa possível.

Entende-se, assim, a oposição ferrenha das plataformas contra o PL 2.630/2020. Não é apenas que o texto interfira em seus interesses comerciais e financeiros. O problema é mais grave. O projeto traz novas responsabilidades. Define limites para as empresas. Estabelece deveres de transparência. Nada disso é aceitável para o Telegram, que é explícito em sua ameaça. Se não continuar do jeito que está, a empresa promete interromper seus serviços no País.

Diante dessa atitude incivilizada, é necessário recordar alguns pontos. As leis não impedem o exercício das liberdades. Só num país onde há o império das leis – onde há limites e responsabilidades para todos – é que cada um pode exercer plenamente seus direitos e suas liberdades.

Sem lei, manda quem é o mais forte. E só o truculento exerce a “liberdade”, que se torna, na verdade, arbítrio. O restante tem de se adequar ao que o mais forte deseja. No mundo atual, não é difícil de identificar quem são os mais fortes que querem impor suas vontades aos demais – e que não desejam sequer ouvir falar em regulamentação.

Felizmente, há democracia. O debate público não é apenas o que alguns gostariam de impor. Ao analisar o PL 2.2630/2020, que o Congresso tenha a valentia de olhar o interesse público, sem se incomodar muito com os que querem ficar no País apenas se a lei for do jeito deles.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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