No afã de apoiar autoritarismo da Venezuela, Lula apequena diplomacia brasileira
(Editorial da Folha, em 30/05/2023)
Não chegaram a surpreender, portanto, as mesuras e afagos de Lula ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, que voltou a visitar o Brasil depois de oito anos e participou de um encontro de presidentes da América do Sul.
Nada há de errado, do ponto de vista diplomático, em manter relações com regimes autoritários de qualquer orientação, seja por interesses comerciais ou geopolíticos, seja na negociação por liberdade e direitos humanos.
Já Lula foi, na segunda-feira (29), muito além de mostrar a correta disposição ao diálogo. Não satisfeito em proporcionar uma recepção de gala ao visitante, prestou-se a defender o regime chavista.
De acordo com o mandatário brasileiro, a caracterização da Venezuela como uma ditadura não passa de uma “narrativa”, que pode perfeitamente ser substituída por outra. O país vizinho sofre centenas de sanções internacionais, segundo a narrativa lulista, “porque outro país não gosta dele”.
Há zonas cinzentas entre uma democracia plena e um regime autoritário, mas não pode restar dúvida de que a Venezuela há muito cruzou essa fronteira. Esta Folha considera Maduro um ditador desde agosto de 2017, depois da criação de uma Assembleia Constituinte para enfrentar o Legislativo de maioria oposicionista.
Mas o processo de degradação da democracia venezuelana começou bem antes, sob Hugo Chávez, que esteve no poder de 1999 a 2013, quando morreu. O caudilho aproveitou a popularidade obtida graças à alta dos preços do petróleo para aparelhar as instituições e ampliar os próprios poderes.
Maduro assumiu quando os ventos econômicos já mudavam de direção —e patrocinou uma escalada de atrocidades documentadas pela ONU, incluindo torturas e assassinatos, enquanto o país mergulhava numa crise humanitária comparável aos impactos de guerras.
No afã de defender uma esquerda arcaica, obscurantista e autoritária, Lula não apenas alimenta mentiras descaradas. Também apequena a diplomacia brasileira e relativiza o sofrimento de milhões de cidadãos em um país devastado.