Floriano Azevedo e André Ramos Tavares aumentaram tempo de voto para contrapor insistência de Raul Araújo em falar de minuta de golpe
Em um julgamento repleto de juridiquês, no qual três ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votaram até agora pela inelegibilidade, por oito anos, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Floriano de Azevedo Marques precisou abandonar a leitura do seu voto nesta quinta-feira, 29, e improvisar uma metáfora ao dizer que “a eficiência do bombeiro” não exclui a culpa “de quem pôs fogo”. Recorreu à figura de linguagem para defender a condenação de Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na reunião de julho do ano passado em que fez ataques ao sistema eleitoral diante de diplomatas estrangeiros.
“A eficiência do bombeiro não elide a aplicação do artigo 250 do Código Penal (que prevê o crime de causar incêndio). Se alguém põe fogo no edifício e bombeiros chegam prontamente, isso não quer retirar a tipicidade da conduta de quem pôs fogo”, afirmou Floriano no julgamento.
A ideia foi combater o argumento do também ministro Raul Araújo, que havia minimizado a gravidade dos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Primeiro a votar nesta quinta, Raul virou “bombeiro” de Bolsonaro e encampou as teses defensivas expostas pelo próprio ex-presidente e pelo seu advogado Tarcísio Vieira, porque alegou que não houve prejuízo às outras candidaturas ou aos eleitores com os repetidos ataques do ex-presidente ao sistema eleitoral.
“Se a Justiça Eleitoral agiu bem, agiu rápido e coibiu efeitos daquela tentativa. Não é disso que estamos falando”, acrescentou Floriano.
Raul reagiu depois do voto de Floriano e respondeu que a metáfora do incêndio era “imprópria”. “Vossa Excelência traçou um comparativo que me parece equivocado entre direito penal e eleitoral. De fato, no direito penal mesmo a tentativa de incêndio já é punível. Só que no direito eleitoral o incêndio só é punível com a inelegibilidade se adquirir uma determinada gravidade. Daí me parece imprópria a comparação que foi feita”, afirmou o ministro que deu o primeiro voto favorável a Bolsonaro nesta quinta.
O Estadão apurou que os ministros André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques decidiram ampliar a exposição dos seus votos para além dos 30 minutos inicialmente combinados, porque Raul demorou mais do que era esperado para apresentar seu voto e porque dedicou tanto tempo a falar da minuta golpista, como se esse fosse o foco do julgamento.
A insistência de Raul em falar da minuta motivou uma incomum interrupção feita pela ministra Cármen Lúcia, que quis fazer um “esclarecimento” antes que ele terminasse seu voto. O objetivo era evidenciar que o voto do relator, Benedito Gonçalves, não havia recorrido à minuta golpista para condenar Bolsonaro nem havia atribuído ao ex-presidente qualquer responsabilidade pela existência do documento.
“Não me pareceu que no voto do ministro-relator tivesse nenhuma referência nem de autoria nem de responsabilidade do primeiro investigado. Eu por exemplo nem uso esse dado”, afirmou a ministra. “Vossa Excelência está excluindo alguma coisa sem pertinência com o que o relator teria dito”, acrescentou.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, emendou a correção: “O fato de ter juntado essa minuta golpista em nada afetou e também ainda não se apurou a responsabilidade disso”.
“Meu voto foi claro. Não está se apurando aqui minuta”, completou Gonçalves.
“Como se sabe, a sanção de inelegibilidade é de natureza personalíssima, o que reforça ainda mais a impossibilidade de se atribuir ao primeiro investigado a responsabilidade objetiva pela existência de minuta de desconhecida autoria ou pelas nefastas ocorrências do dia 8 de janeiro de 2023, dado que inexiste nesses autos qualquer elemento que efetivamente vincule Jair Messias Bolsonaro a tais fatos”, afirmou Raul.
Em um julgamento que trata de desinformação e mentiras sobre o sistema eleitoral, ministros ficaram preocupados com o risco de que o longo discurso de Raul fosse usado como peça de desinformação na narrativa apregoada por Bolsonaro, de que a acusação contra ele seria frágil sem a minuta golpista. Por isso a preocupação dos ministros em evidenciar que a minuta golpista não tinha embasado nenhum voto contrário ao ex-presidente.
Logo no começo de seu voto, Floriano afirmou que não iria considerar a minuta golpista em sua decisão, pois, embora indique um fato grave, seria “marginal” e até “irrelevante” para julgar se houve abuso de poder político na reunião com os embaixadores, que motivou a acusação feita pelo PDT e levada a julgamento no TSE. Último a falar na sessão desta quinta-feira, Tavares também fez questão de pontuar no seu voto que a minuta não era “imprescindível” para o julgamento.
Embora o voto de Raul tenha rendido vídeos publicados nas redes sociais de bolsonaristas, especialistas avaliam que a argumentação dificilmente será respaldada em recursos ao próprio TSE ou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no caso de uma condenação de Bolsonaro à inelegibilidade. Mesmo sem voto a seu favor, o ex-presidente já poderia recorrer de uma condenação.
“Óbvio que é melhor recorrer com algum voto favorável. Quando você tem um voto divergente abordando essa questão da proporcionalidade da punição, poderia alegar ao STF que houve desproporção na pena aplicada. Mas dos sete ministros do TSE, três são do STF. É muito difícil o Supremo reverter uma decisão do TSE”, explicou o jurista Rodrigo Cyrineu, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e autor do livro Precedentes Eleitorais: Segurança Jurídica e Processo Eleitoral.